segunda-feira, 15 de setembro de 2014

DAS TRANSFORMAÇÕES CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA

A FAMÍLIA EM MUTAÇÃO
Por: Clever Jatobá[1]

 No século XX, à luz do Código Civil Brasileiro de 1916, o casamento era a única maneira de se constituir família. A família tinha compreensão restrita e direcionada; ou seja, casava-se para procriar e assim perpetuar a espécie, bem como para acumular patrimônio e ter com quem deixá-lo após a morte. Outrossim, como a virgindade era um tabu e o sexo antes do casamento era algo absurdo e reprovável, o matrimônio servia para regularizar as relações sexuais, direcionando-as a procriação.

No contexto dos anos novecentistas, a família tinha características próprias: era matrimonializada, ou seja, fundada exclusivamente por meio do casamento. Assim, era essencialmente heterossexual, uma vez que a diversidade de sexos é fundamental ao casamento; indissolúvel, pois “o que Deus une o homem não separa”, portanto, não se permitia o divórcio; unicamente patriarcal, gerando submissão absoluta de todos os membros da família à chefia masculina do pai; hierarquizada entre os próprios membros, concebendo, inclusive, distinção entre filhos, quanto à sua origem; e, basicamente, patrimonialista, já que preocupação com o patrimônio era essencial para a manutenção do lar, filhos e da própria família.

Ao longo do século XX a sociedade brasileira conviveu com infinitas transformações que interferiram diretamente na tessitura da família contemporânea. A inserção da mulher no mercado de trabalho, por exemplo, permitiu a sua emancipação financeira, fato que deságua na modificação da estrutura econômica do agrupamento familiar, igualando os papéis entre homens e mulheres. Ao tempo em que o liberalismo sexual promoveu uma mudança nos costumes e valores morais, a partir da regulamentação do divórcio e o crescente número de agrupamentos afetivos formados fora das solenidades do casamento, tais episódios ajudaram a promover uma grande transformação na tessitura da família contemporânea.

Diante dos fenômenos sociais vivenciados nos anos novecentistas, a Constituição Federal Brasileira de 1988 estabeleceu uma nova tábua axiológica fundada nos princípios da igualdade e da não discriminação; da liberdade; da dignidade da pessoa humana, que servem de norte à edificação de uma sociedade pluralizada, justa e solidária.

Com base neste novo arcabouço principiológico, redesenhou-se as características da família contemporânea, de modo que atualmente a família moderna é: pluralizada, ou seja, não se constitui apenas através do casamento, pois numa concepção aberta e pluralizada, outros arranjos familiares passaram a ser reconhecidos; concebida independente da sexualidade dos seus integrantes; igualitária, pois os integrantes do casal passam a  ter iguais direitos e deveres, compartilhando as responsabilidades do lar e o poder familiar perante os filhos; tal igualdade, inclusive, aplica-se aos filhos, independente da sua origem, não havendo relação hierárquica ou discriminatória acerca da filiação; passiva de dissolução, uma vez que o divórcio fora regulamentado à partir de 1977; e de natureza eudemonista, pois, para além do patrimonialismo de outrora, o agrupamento familiar passa a ser fundado no afeto, onde seus membros buscam a felicidade e a realização pessoal, valorizando a família em sua essência psicoafetiva.

Diante desta nova tessitura da família contemporânea, percebe-se que a família, merecedora da especial proteção do Estado, encontra-se em plena ebulição de valores e da sua compreensão pelo universo jurídico.



[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano, Pós graduado em Direito do Estado (JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito), Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal), aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (Argentina), Professor da Faculdade Ruy Barbosa, onde é Advogado e Supervisor do Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio, professor e Coordenador do Curso de Direito da faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas-Ba).

Um comentário:

  1. Emérito Prof. Cléver Jatobá,

    Lendo este saboroso texto, me sinto em suas aulas.
    Obrigado pela oportunidade de aprender mais da essência deste instituto.

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