quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CAPITÃES DA AREIA



Por:
Clever Jatobá


É chegado o ano do centenário de nasci- mento do Baiano JORGE AMADO (2012), um dos maiores ícones da Literatura Brasileira e mundial, que, com uma linguagem sim- ples e popular, con- seguiu apresentar ao mundo a boemia, a malandragem e o lirismo da baianidade, eternizando personagens que, da ficção passaram ao convívio de todos que, direta ou indiretamente, tiveram acesso à sua obra.

Tamanha qualidade dos romances do talentoso e amado escritor baiano fez com que muitos dos seus livros fossem, por diversas vezes, adaptadas pela dramaturgia para tele-novelas, minisséries, teatro e cinema, o que ajudou a popularizar e imortalizar personagens como Gabriela e Seu Nacibe; Tieta do Agreste e sua irmã, Perpétua; Vadinho, Dona Flor e seu segundo marido, Theodoro; Guma e Lívia; Quincas Berro D’Água; Teresa Batista cansada de guerra; Os Pastores da Noite; entre tantos outros.

Agora, somos brindados pela adaptação para o cinema de um dos seus melhores livros: CAPITÃES DA AREIA. Coube à neta do autor, Cecília Amado, a tarefa de transportar para as telas do cinema as aventuras e desventuras do bando de meninos de rua que, sob o comando de “Pedro Bala”, barbarizavam nas ruas da capital baiana.

A primeira vez que li tal romance foi em função do colégio, visto que a professora da 8ª série nos impôs tal leitura para uma avaliação da IIIª Unidade (rsrsrs). Hoje posso dizer, que tenho muito a agradecer por esta oportunidade. Lembro que minha mãe decidiu me ajudar e terminamos lendo juntos. Gostei da estória, e mesmo não tendo maturidade para entender a grandiosidade da obra, algumas figuras calaram fundo em minha memória.

Uma certa feita, ao convite caloroso da Rízia (então nora do velho Jorge e colega de trabalho de meu pai) e do seu então marido, João Jorge, tive o prazer de tocar e cantar com meu pai numa serenata surpresa em homenagem ao aniversário de dona Zélia Gattai. Era uma noite estrelada de 2 de Julho de 1997, quando após a cantoria e o jantar intimista na casa do Rio Vermelho, pudemos ser agraciados pelo papo, pela companhia e simpatia do casal de literatos. O velho Jorge, após elogiar a cantoria, nos presenteou com alguns livros autografados. Curiosamente, o meu foi “Capitães da Areia”. Diante de tal presente, decidi reler o romance. Desta vez, já rapaz, pude desfrutar muito mais das aventuras do bando do Pedro Bala e, com um outro olhar, refletir um pouco daquela realidade de vida, uma dura realidade...

Os Capitães da Areia era um bando de meninos de rua que, convivendo no submundo da exclusão social, cultural e educacional, conseguia sobreviver da marginalidade, cometendo furtos e roubos nas ruas da antiga Salvador. Eles jogavam capoeira, e portando seus punhais e navalhas barbarizavam a sociedade baiana, sob o comando de Pedro Bala.

No perigoso bando, “pivetes” como o Professor, Gato, Sem-Perna, João Grande, Volta Seca, Pirulito, e a pequena Dora (acolhida pelo bando após a morte dos seus pais), sobrevivem na miséria das ruas, morando na companhia dos ratos, sob as lua e as estrelas que invadem o velho trapiche abandonado defronte do mar.

Para muitos seria apenas uma estória do amado escritor baiano. Mas, para os que conhecem a realidade da exclusão social, o abandono do Estado e o descaso da sociedade, percebe não se tratar apenas de uma obra da ficção literária, mas, sim, de um raio-x da realidade dos meninos de rua, uma história de sobrevivência daqueles que não tiveram oportunidade de conhecer o que é dignidade, o que é o amor, o carinho, o acalanto e a proteção da família e, portanto, precisam sobreviver da maneira que lhe for possível. Assim, o abandono e a delinqüência convivem em sincronia, bailando a valsa da marginalidade.

Bem, o livro retrata o cenário baiano da década de 30 do Século XX. No início dos anos novecentistas, as legislações brasileiras tinham sua essência patrimonialista. Estava-se diante do primeiro Código Civil Brasileiro (1916), ao tempo em que, no âmbito criminal, vigorava o Código Penal de 1890, qual disciplinava um “direito penal dos menores”, fundados com base na Teoria do Discernimento, qual permitia ser apreciado o grau de discernimento do menores infratores para puni-los, colocando-os em reformatórios, casas de correção, ou até em prisões juntos com adultos, em deplorável promiscuidade.

Em 12 de outubro de 1927 fora promulgado o primeiro Código de Menores Brasileiro, por meio do Decreto n.º 17.943-A, qual fora elaborado pelo jurista baiano José Cândido Albuquerque de Melo Mattos, qual se tornou o primeiro Juiz de menores do Brasil e da América Latina. Em sua homenagem, tal legislação ficou conhecida como Código de Melo Mattos. A finalidade da lei era resolver o problema dos meninos de rua, combatendo a delinqüência e o abandono, defendendo a sociedade da atuação crescente dos pivetes, trombadinhas e dos seus delitos, recolhendo das ruas os menores que viviam da vadiagem, mendicância, libertinagem e da marginalidade, buscando discipliná-los à força, lançando mão de castigos corporais que serviam de corretivo às condutas desviadas e anti-sociais.

Hoje os tempos são outros... após a IIª Guerra Mundial eclodiu pelo mundo à fora as diretrizes dos direitos humanos, tendo como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949) e, no universo infantojuvenil, a Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959), qual, por sua vez, apresentou uma nova concepção diante da pessoa da criança e do adolescente, reconhecendo-os como sujeitos de direito que, em respeito à sua situação peculiar de desenvolvimento, merece proteção integral, exigindo que a leitura do direito atenda sempre aos seus melhores interesses.

No Brasil, após o Código de Melo Mattos (1927) tentou-se adequar a legislação nacional aos novos contornos internacionais, todavia, como a interferência da legislação internacional ameaçava os interesses e as diretrizes adotadas pela ditadura militar, em vez de elaborar uma nova legislação, deu-se uma simples reformulação do antigo texto legal, instituindo-se, assim, um novo Código de Menores (1979), preservando seu espírito originário, qual seja, tratar os “menores” como objetos de políticas públicas de natureza assistencialista, bem como, combater a delinqüência e a vadiagem, retirando do seio da sociedade os menores que estivessem em situação irregular, qual tomava como norte o abandono e a delinqüência.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro reconheceu a Doutrina da Proteção Integral, qual orientou e dimensionou o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90. O ECA – como é conhecido o texto estatutário – disciplinou a proteção integral da criança e do adolescente, reconhecendo-os como sujeitos especiais de direito, que merecem proteção integral a serviço do seu melhor interesse.

Em razão do reconhecimento de que as fases de criança e de adolescente caracterizam as peculiaridades do desenvolvimento da pessoa, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece que estes não têm capacidade para os atos da vida civil, nem tampouco podem ser responsabilizados criminalmente pelos seus próprios atos, sendo, assim, reconhecido como inimputáveis. Neste contexto, tecnicamente a criança e o adolescente não praticam crimes, mas, sim, ato infracional análogo a um crime ou contravenção penal previstos em nossa legislação.

Bem, se tecnicamente não praticam “crimes”, sobre os mesmos não incide a legislação criminal brasileira. Em outras palavras, aos mesmos não cabe a aplicação de uma “pena correspondente” prescrita pelo Código Penal.

Nesta ordem de idéias, nos termos do ECA, aplicam-se medidas de proteção ou medidas socioeducativas, dependendo das exigências do caso concreto.

Como diz o nome, as medidas de proteção servem para proteger as crianças e adolescentes que se colocam em situação de risco por ação ou omissão da sociedade e do Estado; pela falta, ausência ou abuso dos pais ou responsáveis; bem como em razão da sua própria conduta. Por sua vez, diante da prática de atos infracionais, aplicam-se medidas protetivas às crianças, ao tempo em que aos adolescentes podem ser aplicadas as medidas socioeducativas, quais têm natureza educativa para promoção da adequação social do comportamento do mesmo, partindo desde a simples advertência até a restrição da sua liberdade.

Uma coisa é certa, a restrição da liberdade do adolescente pela prática do ato infracional não se confunde com as penas (reclusão ou detenção) nem prisões criminais, já que o Código Penal não incide sobre a conduta das crianças e dos adolescentes. Assim, não cabe oferecer-lhe um tratamento jurídico próprio de um criminoso, mas sim, de alguém que em fase de formação precisa ser educado ou reeducado para que se promova uma efetiva adequação social do seu comportamento.

Bem, apesar das boas intenções da lei, a falta de capacitação, de preparo e conhecimento da mão-de-obra que lida com tais situações, somada com o descomprometimento da sociedade e com a falta de compromisso do Estado na efetivação das diretrizes legais faz com que haja uma deturpação da sua aplicação, permitindo que se protraíam no tempo os antigos valores de castigos corporais e seus reflexos físicos e psicológicos, bem como do tratamento prisional de quem é reconhecido inimputável por força de lei.

Diante desta realidade, o romance e sua adaptação cinematográfica, apesar de contextualizar um período da primeira metade do século XX, continuam sendo super atuais, pois refletem o panorama da delinqüência infantojuvenil, da criminalidade, do descaso do Estado e da sociedade com a realidade dos meninos de rua, somado pelos abusos das autoridades, mas tudo isso contextualizado diante de um cenário de boemia e malandragem, de diversidade de crença e culto religioso, da beleza e da magia que compõe a essência da baianidade.

INFORMAÇÕES GERAIS:

Imagem do Cartaz do excelente Filme nacional "Capitães da Areia". Filme de Cecília Amado, baseado na obra do imortal Jorge Amado.

Texto postado em pleno dia das crianças de 2011, data esta, que, a propósito, foi eleita em razão do dia em que foi promulgada o primeiro Código de Menores (1927).

Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito do Estado, bem como em Direito Civil e do Consumidor (JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito), Doutorando em Direito Civil pela UBA - Universidad de Buenos Aires. Professor de Direito da Faculdade Maurício de Nassau (Salvador-Ba) e da Faculdade Apoio/Unifass (Lauro de Freitas-Ba). Ex professor e Coordenador do NPJ da FABAC (Lauro de Freitas-Ba), tendo lecionado também na UNIJORGE, UNIRB, além de professor do Curso Degrau preparatório para concurso.

CONTATOS:
www.cleverjatoba.adv.br
e-mail: cleverjatoba@yahoo.com.br

domingo, 25 de setembro de 2011

Imprensa, Violência e Exclusão Social


Por: Clever Jatobá.

Na contemporaneidade não se pode desprezar a força da mídia de massa na formação da opinião pública, bem como nas decisões políticas do país. Neste contexto, tem-se acompanhado um dos maiores fenômeno no jornalismo da atualidade, qual seja: o crescente número de programas de jornalismo policial sensacionalista.

Estes programas se destacam por explorar episódios da violência urbana e social onde, por sua vez, o apresentador âncora se destaca ao interpretar caricatamente um papel de "paladino justiceiro", que bota a boca no mundo e cobra das autoridades a selvageria do combate à criminalidade, escudado sob o véu dos anseios da sociedade que fica refém de tanta violência.

A atuação destes apresentadores são o ápice da aplicação da (in)justiça. Estes programas não atuam como mero instrumento de informação social, pois não se subsumem à tarefa de noticiar os sangrentos episódios da violência cotidiana. Em verdade, eles apresentam um processo célere e eficaz de coibição de condutas criminosas e aplicação efetiva do direito penal (sic), pois eles prendem, condenam e automaticamente sentenciam.

Tais programas televisivos da imprensa sensacionalista, em verdade, promovem um constante afronte à dignidade da pessoa humana, atentando cotidianamente contra os direitos da personalidade, vitimando a honra, a imagem, a intimidade e a privacidade daqueles que, excluídos socialmente, se encontram na criminalidade. Outrossim, a atuação desta linha de imprensa se sustenta com sangue e violência, mas não propõe uma solução concreta capaz de restabelecer a paz social, nem melhorar a qualidade de vida da sociedade.

O pior de tudo é que o Direito contemporâneo tem avançado no sentido da valorização da dignidade da pessoa, corolário básico dos Direitos Humanos e, no âmbito penal, têm-se com fruto de uma conquista histórica o direito fundamental à presunção de inocência, princípio estruturante de um Estado Democrático de Direito, que determina a necessidade do apreço dos fatos à luz do devido processo legal, garantindo ampla defesa e contraditório, para que seja possível uma eventual condenação.

Bem, uma coisa é certa: a violência social é um fato que cotidianamente nos grita aos olhos de toda a sociedade. Então, questiona-se: qual seria a solução para frear tamanha violência?

Para alguns, a solução estaria na postura mais combativa da atuação policial; outros apostam na maior severidade das sanções do direito penal e até na redução da maioridade criminal (sic). Por sua vez, a resposta estatal tem se concretizado diante da produção de leis que criminalizam novas condutas.

O curioso é que todas estas propostas que transitam na seara do Direito Penal estão embasadas no discurso vazio e imediatista, estruturado sem qualquer comprometimento social com uma solução plausível e eficaz.

O Direito Penal se edifica diante de dois pilares: a tipificação das condutas concebidas como crime e da sua correspondente sanção. As sanções penais, no plano teórico, teriam três finalidades: retributiva; punitiva e ressocializadora. Sua natureza retributiva tem como finalidade promover uma resposta à sociedade, devolvendo ao criminoso os efeitos do seu comportamento anti-social; assim, a pena assume sua feição punitiva, oferecendo ao criminoso um castigo, qual seja, a segregação da sua liberdade; pois bem, neste contexto, retira-se o criminoso do seio da sociedade para depois que o mesmo cumpra um período segregado, possa se promover sua reinserção no seio social, o que caracteriza sua função ressocializadora.

Ocorre que tal ramo do direito não tem apresentado eficácia, nem solução ao problema da violência social. A tipificação de novos ilícitos, o aumento das penas, ou a atenção à sanção penal não tem inibido a prática dos crimes, nem reduzido os índices de violência e de criminalidade.

Por sua vez, o investimento do Estado no aparato técnico, na qualificação da mão-de-obra, na melhoria da remuneração e no aparelhamento policial fica esquecido. A falta de presídios que acolham e preservem com o mínimo de dignidade o número crescente de criminosos, que lá se encontram por manterem condutas anti-sociáveis e violarem as regras do direito penal é flagrante.

Reitera-se então, o mesmo questionamento: qual seria a solução?

Ante tal situação percebe-se que o segredo não está na repressão à violência e criminalidade, mas, sim, na atuação preventiva, direcionada a alcançar a gênese do problema, evitando que tal situação se concretize.

A adoção de medidas punitivas e repressivas é um mal necessário, mas, deve ser enxergada como um remédio a uma enfermidade social. Assim, o mais coerente seria atuar preventivamente, buscando adotar medias de natureza social, que à longo prazo possa promover a melhor situação de vida de todos.

O problema da violência se concretiza em razão da má distribuição de rendas, da falta de emprego e oportunidades, onde famílias inteiras são largadas na miséria, sendo obrigadas a agasalharem-se sob marquises, bancos de praça, convivendo na sala de estar da exclusão social.

Assim sendo, independentemente da origem, ou das circunstâncias que os levaram à vida nas ruas, uma coisa é certa: o cenário de exclusão, os deixam à margem da sociedade, isentos das muitas oportunidades de alcançar um lugar no futuro, retirando e vitimando a própria dignidade.

Diante de tal cruel realidade, imperioso se faz ter uma atuação mais efetiva do Estado, com a implementação de políticas sociais mais eficazes na redução da desigualdade social e na promoção da redistribuição de rendas, permitindo, assim, restabelecer a dignidade dos excluídos e inseri-los no seio da sociedade, por meio do desfrute dos direitos básicos do ser humano: vida, saúde, educação, esporte, cultura, lazer, profissionalização e trabalho, moradia, segurança, saneamento básico e urbanização.

Os crescentes números da delinqüência infantojuvenil, bem como da criminalidade é reflexo direto do descaso da sociedade e do Estado com a realidade de abandono e exclusão social. Enquanto não se adotarem medidas de efetiva inclusão social dos marginalizados econômica, social e culturalmente, estaremos condenados a conviver com a violência, delinqüência e a criminalidade.

Na atualidade, faz-se necessário promover a conscientização da sociedade de que a redistribuição de rendas, os investimentos em educação, esporte, cultura, lazer, profissionalização e criação de novos empregos para permitir a inserção ou a reinserção das pessoas no mercado de trabalho é algo vital, e que o combate à desigualdade social, deságua inexoravelmente na redução da criminalidade.

Por tudo isso, nos cabe asseverar que, enquanto não adotarmos medidas sociais eficazes, estaremos condenados à liberdade da prisão domiciliar, pois precisaremos de grades, porteiros, câmeras de segurança, seguros patrimoniais para nos proteger de uma realidade que nosso silêncio nos impõe.

REFERÊNCIAS:
Imagem do excelente Filme nacional Tropa de Elite 2.

Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito do Estado, bem como em Direito Civil e do Consumidor (JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito), Doutorando em Direito Civil pela UBA - Universidad de Buenos Aires. Professor de Direito da Faculdade Maurício de Nassau (Salvador-Ba) e da Faculdade Apoio/Unifass (Lauro de Freitas-Ba). Ex professor e Coordenador do NPJ da FABAC (Lauro de Freitas-Ba), tendo lecionado também na UNIJORGE, UNIRB, além de professor do Curso Degrau preparatório para concurso.