segunda-feira, 31 de março de 2014

CASAMENTO - PARTE 1

A compreensão do casamento no 
Direito Civil Brasileiro:
Conceito e Natureza Jurídica
De: Clever Jatobá[1]

1.      INTRODUÇÃO

A entidade familiar mais tradicional regulada pelo Direito Brasileiro é o casamento[2]. Apesar das infinitas transformações vivenciadas no cenário social brasileiro, quais redesenharam os contornos e o conceito de Família no direito pátrio, o Código Civil, Lei n.º 10.406/2002, em vez de inovar e dar um passo à diante encarando a contemporaneidade, optou pelo conservadorismo e, desprezando a pluralidade das entidades familiares em vigor desde a Constituição Federal de 1988, dedicou-se a exaustivamente disciplinar o casamento como se este ainda fosse o único alicerce do Direito de Família moderno.

Desta forma, o Código Civil Brasileiro buscou de forma exaustiva (e até injustificável) regular pari passo o casamento, de modo que se faz necessário compreendê-lo diante da legislação civil pátria.

2.      DO CONCEITO DE CASAMENTO

Com base no Código Civil Brasileiro, podemos conceituar o casamento como instituto civil[3] pelo meio do qual, atendida às solenidades legais (habilitação, celebração e registro[4]), estabelece entre duas pessoas a comunhão plena de vida em família, com base na igualdade de direitos e deveres, vinculando os cônjuges mutuamente como consortes e companheiros entre si, responsáveis pelos encargos da família[5].

Em outras palavras, podemos dizer que o casamento, sob a ótica do Direito Civil Brasileiro, consiste na entidade familiar constituída com base no atendimento das solenidades legais.

3.      DA NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO

Um dos pontos controvertidos acerca do casamento diz respeito à sua natureza jurídica, ou seja, à compreensão do que é o matrimônio para o direito brasileiro.

Diferente de alguns ordenamentos jurídicos que definiram em lei sua natureza jurídica[6], o Direito Brasileiro deixou este mister à cargo da doutrina, qual, por sua vez se dividiu em três posicionamentos, compreendendo-o como: a) um contrato; b) uma instituição; c) um ato complexo, de caráter híbrido, misto ou eclético.

Para os adeptos da teoria contratualista, o casamento é um negócio jurídico que depende da livre manifestação de vontade das partes para sua realização, de modo a produzir seus efeitos patrimoniais regulados pelo regime de bens, assim, o matrimônio seria um “contrato” a ser apreciado diante do plano da existência, validade e eficácia.

Tal teoria é rebatida por uma corrente que o identifica como uma instituição, pois o mesmo é regido por normas de ordem pública, que define de forma pormenorizada seus efeitos jurídicos, impondo deveres e estabelecendo os direitos dos cônjuges, não podendo ser mitigados pela livre vontade das partes[7]. Outrossim, não poderia se subsumir à condição de um contrato pois o casamento não regula apenas efeitos patrimoniais, mas, também, acarreta efeitos pessoais que não são objetos de um contrato.

Diante do impasse, surge uma terceira corrente que o concebe como um ato complexo de natureza mista, híbrida ou eclética, pois reconhece no mesmo a coexistência de características contratuais com as institucionais. Para esta terceira corrente, a autonomia da vontade das partes se resume apenas à liberdade de escolher o parceiro, o regime de bens e a permanência ou não da relação familiar. Por seu turno, efeitos pessoais como alteração do estado civil, surgimento dos vínculos de parentesco, alteração do nome, deveres de fidelidade e coabitação, entre outros, retiram do casamento sua essência contratualista, já que efeitos pessoais não podem ser regulados por contrato.

Assim, esta terceira corrente sustenta que o casamento é um contrato na sua formação, mas no seu curso é uma instituição, de modo que toma uma feição mista, híbrida e eclética que mescla, de forma mais ponderada, as duas correntes anteriores.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código Civil Brasileiro

COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005.

OMENA, Nivaldo Wanderley de. Da Barbárie Ao Humanismo. Salvador: Contemp, 1989.

WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: O Novo Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2004.



[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano. Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSal, Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Univerdad de Buenos Aires (Argentina). Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas), além de Professor da Faculdade Ruy Barbosa, onde também atua como Advogado e Supervisor do Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio.
[2] Pelo mundo à fora, registra-se a existência do casamento desde tempos remotos da antiguidade. Porém, o casamento já foi compreendido de várias maneiras distintas, como, por exemplo, diante da ideia de um ritual de passagem, pelo meio do qual se transferia a propriedade da mulher das mãos do pai para o marido (OMENA, 1989); ou o evento religioso que garantia a continuidade dos cultos domésticos aos deuses ancestrais do marido (COULANGES, 2005); ou um sacramento religioso que ligava homem e mulher em uma só carne, numa aliança perante Deus. Em regra o matrimônio sempre teve uma conotação religiosa, mas, perdeu esta essência na França, em 1767, quando o Estado Francês optou por romper com a Igreja e oficializar apenas o Casamento Civil, conforme leciona Arnold Wald (2004).
[3] Conforme prenuncia o Art. 1521 do CCB-02, o casamento é civil. À diante, inclusive, perceberemos que o que se chama de “casamento religioso” faz menção apenas à forma de celebração do matrimônio, uma vez que, para o mesmo ser reconhecido pelo Direito, precisará do atendimento às exigências legais do casamento civil (Art. 1.515 e 1.516 do CCB-02).
[4] Esta é a regra do direito brasileiro. As hipóteses que mitigam esta regra são concebidas como exceções pelo ordenamento jurídico, como, por exemplo o casamento nuncupativo (Art. 1.540 do CCB-02).
[5] Nos termos do caput do Art. 1565 do CCB-02.
[6] O Direito Português, por exemplo, reconheceu a natureza contratual do casamento ao disciplinar no Art. 1.577 do seu Código Civil, que o “Casamento é um contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem construir família mediante uma plena comunhão de vidas (...)”.
[7] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ªed. São Paulo: Gen, Forense, 2013.p.103.

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