quinta-feira, 13 de março de 2014

DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL “LEPO LEPO”

Por: Clever Jatobá[1]

Após o fim do Carnaval de 2014, fui procurado por uma cliente com a indagação acerca dos seus direitos diante do fim de um relacionamento de 10 anos com seu companheiro. Ocorre, que quando indaguei acerca da situação do casal, os mesmos não tiveram filhos... Daí, perguntei se eles adquiriram patrimônio na constância da relação. Ela respondeu que não. Quando questionei da situação financeira do casal e da eventual necessidade de alimentos para se manter, Ela disse taxativamente que ambos não precisavam de alimentos e, portanto, renunciavam a este direito.

Imediatamente pensei: “trata-se de uma união estável do tipo Lepo lepo”, pois a situação dos companheiros, inevitavelmente me remeteu aos versos do Hit do Carnaval 2014 na Bahia (e no Brasil) que diz “não tenho carro, não tenho teto e se ficar comigo é porque gosta do meu há, há, há, há, há, há, há do LEPO LEPO”...

Isso mesmo, amigos, uma união estável sem bens a partilhar, sem discussão de alimentos e na ausência de filhos, não tem necessidade alguma de dissolvê-la em via judicial. 

Em regra, a dissolução da união estável é um dos assuntos mais complexos apreciados na justiça na seara do Direito de Família contemporâneo. Não apenas pelo fato de se discutir todos os direitos próprios das relações familiares – como alimentos, guarda e direito de visitas dos filhos e divisão patrimonial – mas, sim, pelo fato da união estável, para ser dissolvida precisar antes ser reconhecida. Isso mesmo, pois, tratando-se de uma entidade familiar de fato, exige-se, por óbvio, o apreço dos fatos para alcançar a realidade do convívio do casal.

A legislação brasileira reconheceu como entidade familiar a união estável entre homem e mulher (Art. 226, § 3º da CF-88), fundada no convívio público, contínuo e duradouro com o objetivo de se constituir família (Art. 1.723 do CC-02). Conforme as disposições legais que lhe conceberam regulamentação dos seus direitos, a constituição da união estável – diferente do casamento[2] – não tem um início predefinido, sendo desenhada ao longo da própria convivência, onde o casal são os protagonistas da sua história de vida familiar. Assim, exige-se a comprovação perante os fatos de que o convívio do casal tinha as características próprias de uma família.

Diante das suas peculiaridades como entidade familiar, a união estável pode ser dissolvida de três formas, quais sejam, pela via natural, pela via judicial e pela via administrativa.

Assim como sua constituição é fática, sua dissolução também pode ser consolidada diante da simples ruptura do relacionamento, independentemente de qualquer formalidade, solenidade ou iniciativa de buscar intervenção judicial[3], configurando, assim, sua dissolução pela via natural.

Normalmente a dissolução natural se opera quando o casal não tem filhos, nem patrimônio, ou quando, mesmo que hajam (filhos), não tenha litígio entre as partes no tocante aos direitos de cada companheiro, podendo ser realizado partilha amigável dos bens – fora do judiciário – bem como acordarem amigavelmente acerca de guarda e alimentos dos filhos.

Neste caso, inclusive, a via administrativa pode ser a mais recomendada, pois os companheiros podem partilhar seus bens onde por meio de Escritura Pública, na qual pode ser declarada a ruptura da relação, sem qualquer outra exigência, já que a escritura tem a natureza jurídica apenas declaratória e as partes assumem as conseqüências desta declaração.

Neste sentido, inclusive, Rolf Madaleno (2008, p.797) sinaliza que, tranquilamente, é possível firmar um contrato de convivência por escritura pública, ou instrumento particular, após o rompimento do relacionamento para regular os efeitos da união desfeita.

Nesta hipótese, deve ressalvar apenas os interesses dos filhos quando criança e adolescente, já que, neste caso, há a necessidade da participação do Ministério Público para a proteção dos interesses dos mesmos. Ainda assim, assuntos como guarda e visita dos filhos, bem como sobre alimentos aos mesmos, pode ser objeto de ação autônoma perante o judiciário, sem que a situação jurídica dos conviventes seja sequer apreciada.

A via judicial, por sua vez, a rigor só deveria ser lançada mão quando houvesse conflitos de interesses entre os ex-conviventes, qualificados pela resistência da pretensão de um perante o a pretensão do outro, ou seja, diante dos litígios entre as partes. Ocorre, porém, que a cultura burocrática do brasileiro tem alimentado a busca pela via judicial mesmo sem que haja litígio, ou seja, nas hipóteses de jurisdição voluntária, pelo sentimento de segurança jurídica que as pessoas têm diante da participação do Estado Juiz no rumo das suas vidas.

Ao bem da verdade, não há obstáculos à utilização do judiciário em ações consensuais de dissolução de união estável (jurisdição voluntária), todavia, o mais recomendável seria adotar outra das modalidades, pois o judiciário deve ser último recurso a se lançar mão, caso outra solução não fosse satisfatória, como forma de equilibrar o interesse de agir com o direito ao acesso à justiça.

No que tange à hipótese de morte, apesar desta romper o convívio more uxorio, os direitos e seus efeitos sucessórios terminam por impor o ingresso na justiça para reconhecer que existiu a união estável e, depois, buscar os direitos sucessórios aos quais fizer jus a parte sobrevivente.

Pois bem, diante destas peculiaridades, percebemos que a união estável, não havendo filhos, e a pessoa não tendo carro, não tendo teto e não querendo mais ficar juntas apenas por conta do “lepo lepo”, não há nada mais o que fazer, pois nestes casos a união estável termina com a simples ruptura da relação, não havendo nada a discutir, uma vez que o rompido o afecttio maritallis, com o fim do convívio, caberá a cada um seguir sua trilha e buscar a felicidade nos braços de um outro alguém, sem perder tempo com burocracias judiciais desnecessárias.

REFERÊNCIAS:

LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 2.ed. Rio de Janeiro: Gen. Editora Forense, 2008.



[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico, Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (Argentina. Mestrando em família na Sociedade Contemporânea pela UCSal, além de Pós Graduado em Direito do Estado pelo JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito. Professor e Coordenador do Curso de Direito da faculdade Apoio Unifass. Professor de Direito da Faculdade Ruy Barbosa, onde é Coordenador e Advogado do Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio.
[2] O casamento, em atenção às solenidades exigidas pela lei, em regra, passa por habilitação, celebração e registro, para que possa configurar sua existência e, assim, irradiar seus efeitos pessoais e patrimoniais. 

[3] Neste sentido, inclusive, Paulo Lôbo (2008, p.163) sinaliza que “A união estável termina como se inicia, sem qualquer ato jurídico dos companheiros ou decisão judicial. A causa é objetiva, fundada exclusivamente na separação de fato”.

3 comentários:

  1. Luis Felipe FRB/ B.J.C Boca do Rio
    Ótimo texto, e o seu arquétipo contemporâneo, visto pelo senso comum.

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  2. Bacana... ótimo texto, parabéns! E tome Lepo Lepo fiscal, Lepo Lepo cível... vai terminar virando um princípio jurídico!!! rssssss!

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  3. Parabéns! Um texto que explana muito bem a situacao de muitos,que sirva de alerta para todos,união estável não é casamento e nem geram os mesmos direitos.

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