Por:
Clever Jatobá[1]
Após o fim do Carnaval de 2014, fui
procurado por uma cliente com a indagação acerca dos seus direitos diante do
fim de um relacionamento de 10 anos com seu companheiro. Ocorre, que quando
indaguei acerca da situação do casal, os mesmos não tiveram filhos... Daí, perguntei
se eles adquiriram patrimônio na constância da relação. Ela respondeu que não.
Quando questionei da situação financeira do casal e da eventual necessidade de
alimentos para se manter, Ela disse taxativamente que ambos não precisavam de
alimentos e, portanto, renunciavam a este direito.
Imediatamente pensei: “trata-se de uma união estável do tipo Lepo
lepo”, pois a situação dos companheiros, inevitavelmente me remeteu aos
versos do Hit do Carnaval 2014 na Bahia (e no Brasil) que diz “não tenho carro,
não tenho teto e se ficar comigo é porque gosta do meu há, há, há, há, há, há, há
do LEPO LEPO”...
Isso mesmo, amigos, uma união
estável sem bens a partilhar, sem discussão de alimentos e na ausência de
filhos, não tem necessidade alguma de dissolvê-la em via judicial.
Em regra, a dissolução da união
estável é um dos assuntos mais complexos apreciados na justiça na seara do
Direito de Família contemporâneo. Não apenas pelo fato de se discutir todos os
direitos próprios das relações familiares – como alimentos, guarda e direito de
visitas dos filhos e divisão patrimonial – mas, sim, pelo fato da união
estável, para ser dissolvida precisar antes ser reconhecida. Isso mesmo, pois,
tratando-se de uma entidade familiar de fato, exige-se, por óbvio, o apreço dos
fatos para alcançar a realidade do convívio do casal.
A legislação brasileira
reconheceu como entidade familiar a união estável entre homem e mulher (Art.
226, § 3º da CF-88), fundada no convívio público, contínuo e duradouro com o
objetivo de se constituir família (Art. 1.723 do CC-02). Conforme as
disposições legais que lhe conceberam regulamentação dos seus direitos, a
constituição da união estável – diferente do casamento[2]
– não tem um início predefinido, sendo desenhada ao longo da própria
convivência, onde o casal são os protagonistas da sua história de vida
familiar. Assim, exige-se a comprovação perante os fatos de que o convívio do
casal tinha as características próprias de uma família.
Diante das suas peculiaridades
como entidade familiar, a união estável pode ser dissolvida de três formas,
quais sejam, pela via natural, pela via judicial e pela via administrativa.
Assim como sua constituição é
fática, sua dissolução também pode ser consolidada diante da simples ruptura do
relacionamento, independentemente de qualquer formalidade, solenidade ou
iniciativa de buscar intervenção judicial[3],
configurando, assim, sua dissolução pela via natural.
Normalmente a dissolução natural
se opera quando o casal não tem filhos, nem patrimônio, ou quando, mesmo que
hajam (filhos), não tenha litígio entre as partes no tocante aos direitos de
cada companheiro, podendo ser realizado partilha amigável dos bens – fora do
judiciário – bem como acordarem amigavelmente acerca de guarda e alimentos dos
filhos.
Neste caso, inclusive, a via
administrativa pode ser a mais recomendada, pois os companheiros podem
partilhar seus bens onde por meio de Escritura Pública, na qual pode ser declarada
a ruptura da relação, sem qualquer outra exigência, já que a escritura tem a
natureza jurídica apenas declaratória e as partes assumem as conseqüências desta
declaração.
Neste sentido, inclusive, Rolf
Madaleno (2008, p.797) sinaliza que, tranquilamente, é possível firmar um
contrato de convivência por escritura pública, ou instrumento particular, após
o rompimento do relacionamento para regular os efeitos da união desfeita.
Nesta hipótese, deve ressalvar
apenas os interesses dos filhos quando criança e adolescente, já que, neste
caso, há a necessidade da participação do Ministério Público para a proteção
dos interesses dos mesmos. Ainda assim, assuntos como guarda e visita dos
filhos, bem como sobre alimentos aos mesmos, pode ser objeto de ação autônoma
perante o judiciário, sem que a situação jurídica dos conviventes seja sequer
apreciada.
A via judicial, por sua vez, a
rigor só deveria ser lançada mão quando houvesse conflitos de interesses entre
os ex-conviventes, qualificados pela resistência da pretensão de um perante o a
pretensão do outro, ou seja, diante dos litígios entre as partes. Ocorre,
porém, que a cultura burocrática do brasileiro tem alimentado a busca pela via
judicial mesmo sem que haja litígio, ou seja, nas hipóteses de jurisdição
voluntária, pelo sentimento de segurança jurídica que as pessoas têm diante da
participação do Estado Juiz no rumo das suas vidas.
Ao bem da verdade, não há
obstáculos à utilização do judiciário em ações consensuais de dissolução de
união estável (jurisdição voluntária), todavia, o mais recomendável seria adotar
outra das modalidades, pois o judiciário deve ser último recurso a se lançar
mão, caso outra solução não fosse satisfatória, como forma de equilibrar o
interesse de agir com o direito ao acesso à justiça.
No que tange à hipótese de morte,
apesar desta romper o convívio more
uxorio, os direitos e seus efeitos sucessórios terminam por impor o
ingresso na justiça para reconhecer que existiu a união estável e, depois,
buscar os direitos sucessórios aos quais fizer jus a parte sobrevivente.
Pois bem, diante destas
peculiaridades, percebemos que a união estável, não havendo filhos, e a pessoa
não tendo carro, não tendo teto e não querendo mais ficar juntas apenas por
conta do “lepo lepo”, não há nada mais o que fazer, pois nestes casos a união
estável termina com a simples ruptura da relação, não havendo nada a discutir, uma
vez que o rompido o afecttio maritallis,
com o fim do convívio, caberá a cada um seguir sua trilha e buscar a felicidade
nos braços de um outro alguém, sem perder tempo com burocracias judiciais
desnecessárias.
REFERÊNCIAS:
LÔBO,
Paulo. Direito Civil – Famílias. São
Paulo: Saraiva, 2008.
MADALENO,
Rolf. Curso de Direito de Família.
2.ed. Rio de Janeiro: Gen. Editora Forense, 2008.
[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico, Aluno do Doutorado
em Direito Civil pela Universidad de Buenos
Aires (Argentina. Mestrando em família na Sociedade Contemporânea pela
UCSal, além de Pós Graduado em Direito do Estado pelo JusPodivm e Faculdade
Baiana de Direito. Professor e Coordenador do Curso de Direito da faculdade
Apoio Unifass. Professor de Direito da Faculdade Ruy Barbosa, onde é
Coordenador e Advogado do Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio.
[2] O casamento, em atenção às
solenidades exigidas pela lei, em regra, passa por habilitação, celebração e
registro, para que possa configurar sua existência e, assim, irradiar seus
efeitos pessoais e patrimoniais.
[3] Neste sentido, inclusive, Paulo
Lôbo (2008, p.163) sinaliza que “A união estável termina como se inicia, sem
qualquer ato jurídico dos companheiros ou decisão judicial. A causa é objetiva,
fundada exclusivamente na separação de fato”.
Luis Felipe FRB/ B.J.C Boca do Rio
ResponderExcluirÓtimo texto, e o seu arquétipo contemporâneo, visto pelo senso comum.
Bacana... ótimo texto, parabéns! E tome Lepo Lepo fiscal, Lepo Lepo cível... vai terminar virando um princípio jurídico!!! rssssss!
ResponderExcluirParabéns! Um texto que explana muito bem a situacao de muitos,que sirva de alerta para todos,união estável não é casamento e nem geram os mesmos direitos.
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