quarta-feira, 23 de outubro de 2013

CONDOMÍNIO EDILÍCIO - PARTE I


Da Distinção entre Instituição, Convenção e Regimento Interno

Prof. Clever Jatobá[1]


  1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com este boom imobiliário dos dias atuais, o surgimento de crescente número de condomínios tem trazido à baila uma discussão sobre um dos pontos mais controvertidos do Código Civil Brasileiro (CC-02), Lei n.º 10.406/02, qual diz respeito à disciplina do condomínio edilício[2], popularmente conhecido como condomínio em edifício.
 
Entre os assuntos mais discutidos diante desta temática, temos por dar um esclarecimento acerca da distinção e finalidade da instituição, convenção e do regimento interno, quais, doravante passaremos a apreciar.

A expressão “condomínio” diz respeito à noção de copropriedade indivisível de um bem, onde mais de uma pessoa titulariza em proporção correspondente à fração ideal a propriedade de um bem ou direito. Assim, as pessoas são donas de cada parte e do todo ao mesmo tempo[3].

O chamado condomínio edilício, por sua vez, é uma espécie particular do gênero “condomínio”, pois caracteriza-se pela coexistência de áreas de propriedade particular e exclusiva chamadas de unidades autônomas, com as áreas comuns, onde todos são coproprietários do todo numa fração ideal calculada com base na área do terreno do condomínio[4].

Conforme leciona Caio Mário da Silva Pereira (2001, p.278), “ocorre uma simbiose orgânica da propriedade individual e da propriedade coletiva”, assim, acrescentam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “há uma verdadeira fusão entre a propriedade particular e a propriedade comum, sendo impossível separar juridicamente este complexo incindível” (2012, p. 706).

O ordenamento jurídico brasileiro regulou o condomínio edilício através da Lei n.º 4.591/64, tomando por base as lições do jurista Caio Mário da Silva Pereira. Ocorre, porém, que com a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 2002, Lei n.º 10.406/02, esta lei (n.º 4.591/64) foi derrogada em quase sua totalidade, pois a legislação codificada regulou integralmente a matéria, de modo que apenas remanesceram poucos dispositivos, especialmente os referentes à incorporação imobiliária.

1.1.DA INSTITUIÇÃO DO CONDOMÍNIO

Conforme disciplina o Art. 1.332 do Código Civil Brasileiro, o condomínio pode ser instituído por ato inter vivos (negócio jurídico) ou causa mortis (testamento), devendo ser registrado no Cartório de Registro Imobiliário. Neste ato de instituição deve constar disposições específicas acerca da a) discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas umas das outras e das partes comuns; b) a determinação da fração ideal relativa ao terreno e partes comuns atribuída à cada unidade; c) o fim a que as unidades se destinam (residencial, comercial, misto, etc).

Em outras palavras, podemos dizer que a instituição do condomínio figura como uma certidão de nascimento do mesmo, por isso, conforme elucida Luiz Guilherme Loureiro (2007, p.854), o registro da instituição e especificação do condomínio somente ocorrerá após a averbação da construção, comprovada a sua conclusão pelo Auto de Conclusão expedido pela prefeitura municipal (o chamado “habite-se”), acompanhado da certidão negativa de débito (CND) do INSS relativos à construção.

Em regra, o ato de instituição do condomínio incumbe ao incorporador, aquele que, nos termos do Art. 28 da Lei 4.591/64, adquire o terreno com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, das edificações, ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Ao incorporador, a propósito, incide as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n.º 8.078/90, na qualidade de fornecedor de produto e serviço, cabendo a este o dever de indenizar os danos decorrentes de acidentes de consumo decorrentes dos defeitos da obra, independentemente de culpa, por se aplicar a este a responsabilidade objetiva.

1.2.DA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO

Após a realização da instituição, faz-se necessário a regulamentação das relações internas do condomínio, estabelecendo regras gerais de convivência, bem como os direitos e deveres recíprocos dos condôminos. Este papel incumbe à convenção do condomínio.

A convenção do condomínio tem um perfil estatutário, configurando norma regra que vincula além daqueles que deram a sua aprovação, todos os que futuramente ingressarem no condomínio, na condição de adquirente, locatários e promissários compradores (FARIAS, ROSENVALD, 2012, p.919), por isso, o Art. 1.333 do Código Civil Brasileiro exige para sua aprovação o quórum mínimo de 2/3, para que, desde logo, se faça obrigatória para os titulares das unidades autônomas, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção[5].

Uma vez que não faz lei apenas entre as partes que lhe subscreveram a convenção do condomínio “não tem natureza jurídica contratual, mas sim institucional normativa, pois vincula a todos os que firmaram ou não tal convenção. Atinge a todos, ainda que temporariamente presentes, por qualquer motivo, no condomínio” (ALMEIDA, 2013, p.1113).

Desta forma, em regra, este documento deve ser criado pelos próprios condôminos, respeitando os limites da legislação pátria em vigor (ALMEIDA, 2013, p. 1113), podendo ser feito por escritura pública, ou instrumento particular (§ 1º do Art. 1334 do CC-02). Ocorre, porém, que com este boom imobiliário da atualidade, as incorporadoras já oferecem este serviço para agilizar a implementação do condomínio, ainda quando titular da propriedade do empreendimento. Ocorre, porém, que como estas regras vinculam os futuros proprietários e moradores, entre outros, a sua aprovação efetiva carece de aprovação dos condôminos, sob pena de não ter garantida sua validade.

Quanto ao seu conteúdo, os condôminos têm liberdade para dispor assuntos de acordo com as necessidades da convivência social em condomínio, devendo, entre outras coisas, disciplinar os direitos e deveres dos condôminos e determinar a) a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; b) sua forma de administração; c) a competência da assembleia, forma de convocação e o quórum exigido para as deliberações correspondentes; d) as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou possuidores; e) e o regimento interno (Art. 1.334 do CC-02)

1.3.DO REGIMENTO INTERNO

Ao tempo em que a convenção do condomínio regulamenta aspectos gerais de maior relevância do condomínio, as situações cotidianas da convivência social entre os condôminos, o seu dia-a-dia e os pormenores acerca da utilização das áreas comuns incumbe ao regimento interno, qual tem, assim, uma função complementar à convenção.

Apesar do Art. 1.334 do Código Civil Brasileiro sinalizar que cabe à convenção determinar o regimento interno, convencionou-se que o mesmo não precisa integrá-lo, podendo ser elaborado posteriormente, haja visto o fato de ser um documento mais dinâmico e concatenado com as necessidades do dia-a-dia dos condôminos em relação ao exercício do seus direitos ao uso das áreas comuns do condomínio, bem como Acerca das regras de boa convivência social.

Por tudo isso é que Caio Mário da Silva Pereira distingue a convenção do regimento interno, esclarecendo que a convenção é um ato institucional, ao tempo em que o regimento é ato meramente administrativo (2004, p.345).

Diante desta concepção, cabe ao regimento interno regular a utilização da piscina, salão de festas, salão de jogos, playground, horário da coleta de lixo, horário de mudança, uso do elevador social e de serviço, entre outros assuntos do dia-a-dia, garantindo, assim, a convivência saudável entre os condôminos diante do desfrute da sua propriedade comum.

Ponto crucial sobre tais regulamentações é que, como os condôminos são coproprietários das áreas comuns, e têm direito a usar, gozar, fruir da sua propriedade sem que outro embarace sua utilização, as regulamentações de uso desta propriedade deve ser norteada pela razoabilidade, pelo bom senso e principalmente, devem ser estipuladas inicialmente como regras básicas de boa convivência e conservação do bem comum, podendo ser modificada com o tempo em face das experiências de convivência, de modo a se justificar eventuais limitações ao direito de uso dos proprietários, sem ferir a sua essência e o seu domínio.

Ao bem da verdade, seria de bom tom que o regimento interno fosse regulado inicialmente de forma simples com regras essenciais e, com o tempo e a experiência do cotidiano, fosse sendo alterado e construído de modo a atender as reais necessidades dos condôminos, sem desrespeitá-los em seu direito de propriedade.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Maria Cecília. Do Condomínio Edilício. In: MACHADO, COSTA (Org.) Código Civil Interpretado. 6ª ed. São Paulo: Manole, 2013.

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Reais. 8ª ed. v.5. Salvador: JusPodivm, 2012.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método,  2007.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil – Alguns aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
______, Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.



[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico. Pós Graduado em Direito do Estado (JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito), bem como em Direito Civil e do Consumidor. Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL, é Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA – Argentina). Professor de Direito Civil e Coordenador do Balcão de Justiça e Cidadania da Faculdade Ruy Barbosa (Salvador-Ba), bem como Professor da Faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas-Ba), onde também é Coordenador do Curso de Direito. Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. cleverjatoba@yahoo.com.br
[2] A doutrina tem chamado o condomínio edilício de propriedade horizontal, em razão do fracionamento da propriedade horizontalmente entre os coproprietários.
[3] Conforme lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 683), ao condomínio “aplica-se a teoria da propriedade integral para justificação da natureza jurídica do condomínio. Cada condômino tem propriedade sobre a coisa toda, delimitada pelos direitos dos demais consortes. Ou seja: perante terceiros, o direito de cada um abrange a pluralidade de poderes imanamentes ao domínio, mas entre os próprios condôminos o direito de cada um é limitado pelo outro, na medida de suas partes ideais.”
[4] Nesse sentido, dispõe o art. 1.331 do CC-02: “pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedades comuns dos condôminos”.
[5] As regras do condomínio se aplica não apenas aos proprietários, mas a todos que estejam no condomínio a qualquer título, desde inquilinos, funcionários, visitantes e até eventuais prestadores de serviço, desde o momento da sua aprovação, inclusive para eventos futuros.

3 comentários:

  1. ótimo texto, com um posicionamento excelente.
    abraços Felipe Ruy Barbosa.

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  2. Prezado Prof. Clever,
    A cor e o tipo de cortina, tela solar ou de tecido, colocadas junto ao reiki em varanda, anterior à votação do Regimento Interno pela Assembléia, configura alteração de fachada?
    Luis Edmundo M. Rodrigues - 15.02.2016

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