Da
Distinção entre Instituição, Convenção e Regimento Interno
Prof.
Clever Jatobá[1]
- CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
Com este boom imobiliário dos dias atuais, o
surgimento de crescente número de condomínios tem trazido à baila uma discussão
sobre um dos pontos mais controvertidos do Código Civil Brasileiro (CC-02), Lei
n.º 10.406/02, qual diz respeito à disciplina do condomínio edilício[2],
popularmente conhecido como condomínio em edifício.
Entre os assuntos mais discutidos diante desta temática, temos por dar um esclarecimento acerca da distinção e finalidade da instituição, convenção e do regimento interno, quais, doravante passaremos a apreciar.
A expressão
“condomínio” diz respeito à noção de copropriedade indivisível de um bem, onde
mais de uma pessoa titulariza em proporção correspondente à fração ideal a
propriedade de um bem ou direito. Assim, as pessoas são donas de cada parte e
do todo ao mesmo tempo[3].
O chamado condomínio
edilício, por sua vez, é uma espécie particular do gênero “condomínio”, pois
caracteriza-se pela coexistência de áreas de propriedade particular e exclusiva
chamadas de unidades autônomas, com as áreas comuns, onde todos são
coproprietários do todo numa fração ideal calculada com base na área do terreno
do condomínio[4].
Conforme leciona Caio
Mário da Silva Pereira (2001, p.278), “ocorre uma simbiose orgânica da
propriedade individual e da propriedade coletiva”, assim, acrescentam Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “há uma verdadeira fusão entre a propriedade
particular e a propriedade comum, sendo impossível separar juridicamente este
complexo incindível” (2012, p. 706).
O ordenamento jurídico
brasileiro regulou o condomínio edilício através da Lei n.º 4.591/64, tomando
por base as lições do jurista Caio Mário da Silva Pereira. Ocorre, porém, que com
a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 2002, Lei n.º 10.406/02, esta
lei (n.º 4.591/64) foi derrogada em quase sua totalidade, pois a legislação
codificada regulou integralmente a matéria, de modo que apenas remanesceram
poucos dispositivos, especialmente os referentes à incorporação imobiliária.
1.1.DA
INSTITUIÇÃO DO CONDOMÍNIO
Conforme disciplina o
Art. 1.332 do Código Civil Brasileiro, o condomínio pode ser instituído por ato
inter vivos (negócio jurídico) ou causa mortis (testamento), devendo ser
registrado no Cartório de Registro Imobiliário. Neste ato de instituição deve
constar disposições específicas acerca da a) discriminação e individualização
das unidades de propriedade exclusiva, estremadas umas das outras e das partes
comuns; b) a determinação da fração ideal relativa ao terreno e partes comuns atribuída
à cada unidade; c) o fim a que as unidades se destinam (residencial, comercial,
misto, etc).
Em outras palavras,
podemos dizer que a instituição do condomínio figura como uma certidão de
nascimento do mesmo, por isso, conforme elucida Luiz Guilherme Loureiro (2007,
p.854), o registro da instituição e especificação do condomínio somente
ocorrerá após a averbação da construção, comprovada a sua conclusão pelo Auto
de Conclusão expedido pela prefeitura municipal (o chamado “habite-se”),
acompanhado da certidão negativa de débito (CND) do INSS relativos à
construção.
Em regra, o ato de
instituição do condomínio incumbe ao incorporador, aquele que, nos termos do
Art. 28 da Lei 4.591/64, adquire o terreno com o intuito de promover e realizar
a construção, para alienação total ou parcial, das edificações, ou conjunto de
edificações compostas de unidades autônomas.
Ao incorporador, a
propósito, incide as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n.º
8.078/90, na qualidade de fornecedor de produto e serviço, cabendo a este o
dever de indenizar os danos decorrentes de acidentes de consumo decorrentes dos
defeitos da obra, independentemente de culpa, por se aplicar a este a
responsabilidade objetiva.
1.2.DA
CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO
Após a realização da
instituição, faz-se necessário a regulamentação das relações internas do
condomínio, estabelecendo regras gerais de convivência, bem como os direitos e
deveres recíprocos dos condôminos. Este papel incumbe à convenção do
condomínio.
A convenção do
condomínio tem um perfil estatutário, configurando norma regra que vincula além
daqueles que deram a sua aprovação, todos os que futuramente ingressarem no
condomínio, na condição de adquirente, locatários e promissários compradores
(FARIAS, ROSENVALD, 2012, p.919), por isso, o Art. 1.333 do Código Civil
Brasileiro exige para sua aprovação o quórum mínimo de 2/3, para que, desde
logo, se faça obrigatória para os titulares das unidades autônomas, ou para
quantos sobre elas tenham posse ou detenção[5].
Uma vez que não faz lei
apenas entre as partes que lhe subscreveram a convenção do condomínio “não tem
natureza jurídica contratual, mas sim institucional normativa, pois vincula a
todos os que firmaram ou não tal convenção. Atinge a todos, ainda que
temporariamente presentes, por qualquer motivo, no condomínio” (ALMEIDA, 2013,
p.1113).
Desta forma, em regra,
este documento deve ser criado pelos próprios condôminos, respeitando os
limites da legislação pátria em vigor (ALMEIDA, 2013, p. 1113), podendo ser
feito por escritura pública, ou instrumento particular (§ 1º do Art. 1334 do
CC-02). Ocorre, porém, que com este boom
imobiliário da atualidade, as incorporadoras já oferecem este serviço para
agilizar a implementação do condomínio, ainda quando titular da propriedade do
empreendimento. Ocorre, porém, que como estas regras vinculam os futuros
proprietários e moradores, entre outros, a sua aprovação efetiva carece de
aprovação dos condôminos, sob pena de não ter garantida sua validade.
Quanto ao seu conteúdo,
os condôminos têm liberdade para dispor assuntos de acordo com as necessidades
da convivência social em condomínio, devendo, entre outras coisas, disciplinar
os direitos e deveres dos condôminos e determinar a) a quota proporcional e o
modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas
ordinárias e extraordinárias do condomínio; b) sua forma de administração; c) a
competência da assembleia, forma de convocação e o quórum exigido para as
deliberações correspondentes; d) as sanções a que estão sujeitos os condôminos
ou possuidores; e) e o regimento interno (Art. 1.334 do CC-02)
1.3.DO
REGIMENTO INTERNO
Ao tempo em que a
convenção do condomínio regulamenta aspectos gerais de maior relevância do
condomínio, as situações cotidianas da convivência social entre os condôminos,
o seu dia-a-dia e os pormenores acerca da utilização das áreas comuns incumbe
ao regimento interno, qual tem, assim, uma função complementar à convenção.
Apesar do Art. 1.334 do
Código Civil Brasileiro sinalizar que cabe à convenção determinar o regimento interno,
convencionou-se que o mesmo não precisa integrá-lo, podendo ser elaborado
posteriormente, haja visto o fato de ser um documento mais dinâmico e
concatenado com as necessidades do dia-a-dia dos condôminos em relação ao
exercício do seus direitos ao uso das áreas comuns do condomínio, bem como
Acerca das regras de boa convivência social.
Por tudo isso é que Caio
Mário da Silva Pereira distingue a convenção do regimento interno, esclarecendo
que a convenção é um ato institucional, ao tempo em que o regimento é ato meramente
administrativo (2004, p.345).
Diante desta concepção,
cabe ao regimento interno regular a utilização da piscina, salão de festas,
salão de jogos, playground, horário da coleta de lixo, horário de mudança, uso
do elevador social e de serviço, entre outros assuntos do dia-a-dia,
garantindo, assim, a convivência saudável entre os condôminos diante do
desfrute da sua propriedade comum.
Ponto crucial sobre
tais regulamentações é que, como os condôminos são coproprietários das áreas
comuns, e têm direito a usar, gozar, fruir da sua propriedade sem que outro
embarace sua utilização, as regulamentações de uso desta propriedade deve ser
norteada pela razoabilidade, pelo bom senso e principalmente, devem ser
estipuladas inicialmente como regras básicas de boa convivência e conservação
do bem comum, podendo ser modificada com o tempo em face das experiências de
convivência, de modo a se justificar eventuais limitações ao direito de uso dos
proprietários, sem ferir a sua essência e o seu domínio.
Ao bem da verdade, seria
de bom tom que o regimento interno fosse regulado inicialmente de forma simples
com regras essenciais e, com o tempo e a experiência do cotidiano, fosse sendo
alterado e construído de modo a atender as reais necessidades dos condôminos,
sem desrespeitá-los em seu direito de propriedade.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Maria Cecília. Do Condomínio Edilício. In: MACHADO, COSTA (Org.) Código Civil
Interpretado. 6ª ed. São Paulo: Manole, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson.
Curso de Direito Civil. Reais. 8ª ed. v.5. Salvador: JusPodivm, 2012.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito
Civil. São Paulo: Método, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil – Alguns
aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
______, Instituições de Direito Civil. Direitos
Reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor
Jurídico. Pós Graduado em Direito do Estado (JusPodivm e Faculdade Baiana de
Direito), bem como em Direito Civil e do Consumidor. Mestrando em Família na Sociedade
Contemporânea pela UCSAL, é Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA –
Argentina). Professor de Direito Civil e Coordenador do Balcão de Justiça
e Cidadania da Faculdade Ruy Barbosa (Salvador-Ba), bem como Professor da
Faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas-Ba), onde também é Coordenador do
Curso de Direito. Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de
Família. cleverjatoba@yahoo.com.br
[2] A doutrina tem chamado o
condomínio edilício de propriedade horizontal, em razão do fracionamento da
propriedade horizontalmente entre os coproprietários.
[3] Conforme lecionam Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 683), ao condomínio “aplica-se a teoria da propriedade integral para
justificação da natureza jurídica do condomínio. Cada condômino tem propriedade
sobre a coisa toda, delimitada pelos direitos dos demais consortes. Ou seja:
perante terceiros, o direito de cada um abrange a pluralidade de poderes
imanamentes ao domínio, mas entre os próprios condôminos o direito de cada um é
limitado pelo outro, na medida de suas partes ideais.”
[4] Nesse sentido, dispõe o art.
1.331 do CC-02: “pode haver, em edificações, partes que são propriedade
exclusiva, e partes que são propriedades comuns dos condôminos”.
[5] As regras do condomínio se
aplica não apenas aos proprietários, mas a todos que estejam no condomínio a
qualquer título, desde inquilinos, funcionários, visitantes e até eventuais
prestadores de serviço, desde o momento da sua aprovação, inclusive para
eventos futuros.
Texto valioso.
ResponderExcluirDamu Majid
ótimo texto, com um posicionamento excelente.
ResponderExcluirabraços Felipe Ruy Barbosa.
Prezado Prof. Clever,
ResponderExcluirA cor e o tipo de cortina, tela solar ou de tecido, colocadas junto ao reiki em varanda, anterior à votação do Regimento Interno pela Assembléia, configura alteração de fachada?
Luis Edmundo M. Rodrigues - 15.02.2016