terça-feira, 28 de agosto de 2012

DAS UNIÕES POLIAFETIVAS: Seria o fim da Monogamia??



DAS UNIÕES POLIAFETIVAS
E OS NOVOS PARADIGMAS DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Por: CLever Jatobá


O Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares – implicitamente prescrito no Art. 226 da Constituição Federal Brasileira de 1988 – conseguiu transformar a concepção de Família no universo jurídico contemporâneo: retirou-se do casamento a hegemonia de ser a única modalidade de Família reconhecida pelo Direito (Código Civil de 1916), elevando ao mesmo status o convívio familiar de fato entre homem e mulher, de natureza pública, contínua e duradoura, com intenção de constituir família, concebendo-o como união estável (Art.226, § 3º, CF-88); além de reconhecer as famílias monoparentais, quais vinculam apenas pais e filhos, independente do vínculo entre os pais (Art.226, § 4º, CF-88).

Conforme leciona Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, p.17) “Os tipos de entidades framiliares explicitamente referidos na Constituição brasileira não encerram numerus clausus”, assim, tendo um rol meramente exemplificativo, cabe-se ampliar a proteção familiar a todos os arranjos familiares que se amoldem às diretrizes familiares delineadas pelo princípio da afetividade.

Dada a concepção pluralizada desta nova realidade, imperioso se fez, com base nos princípios da igualdade, da não discriminação (sexual) e da preservação da dignidade da pessoa humana, reconhecer via judicial as uniões homoafetivas como entidades familiares¹, aplicando-se às mesmas, por analogia, os regramentos da união estável. Neste sentido, o STF reconheceu tal entidade familiar no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, julgadas em 04 de maio de 2011.

Outros arranjos familiares tem recebido uma atenção do direito, em especial a concepção familiar parental, qual, inclusive, recebe previsão expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), recebendo o nome de Família Extensa ou Ampliada, qual reconhece aos parentes próximos com os quais a criança e o adolescente tenham vínculo de afinidade e afetividade o status de família natural (ECA - Art. 25, Parágrafo Único).

Até então, o maior desafio do universo jurídico era reconhecer de forma similar, os direitos de família (guarda e alimentos, por exemplo) aos filhos e enteados integrantes das Famílias recompostas, ou reconstituídas – tal modalidade de família diz respeito aquele agrupamento familiar onde os integrantes saem de outras experiências familiares ou afetivas, trazendo consigo filho(s) destes relacionamentos anteriores e buscam recompor sua vida com um outro alguém, permitindo o convívio entre filhos comuns com os unilaterais (aqueles filhos individuais de cada um do casal), criando vínculos de parentesco entre os meio irmãos e entre padrastos e madrastas que muitas vezes assumem as funções de verdadeiros pais e mães².

Bem, como o dinamismo da vida social é insuperável e infinitamente veloz, o judiciário tem reconhecido também os chamados “Direitos da(o) Amante”. É o seguinte, o Código Civil não reconhece como família o Concubinato (Art. 1.727 do CC-02), ou seja aquela relação não eventual entre homem e mulher impedidos de casar (ou seja, a relação com alguém que já tenha uma outra família), haja visto o fato da monogamia ser a regra familiar do ordenamento jurídico brasileiro (o Código Penal Brasileiro, a propósito, tipifica a bigamia como crime em seu Art. 235).

Quando o judiciário tem sido provocado diante de tais situações, o mesmo tem concedido direitos de família à(ao) amante / concubina(o), sob o fundamento de proteção ao terceiro de boa-fé, bem como sob o argumento de não poder ostentar em favor do cônjuge o enriquecimento sem causa, em detrimento da cooperação da(o) amante no crescimento pessoal do seu consorte. Neste esteio, inclusive, os efeitos previdenciários tem sido divididos igualmente entre a esposa (ou companheira) e a(o) amante / concubina(o).

Só que tal dinamismo social – legitimamente amparado pelo Princípio Constitucional da Pluralidade das Entidades Familiares – tem tomado rumos diversos, ilimitados e jamais concebidos anteriormente. Conforme foi anunciado na imprensa (24.08.12), um homem e duas mulheres da cidade de Tupã, no interior de São Paulo, registraram em cartório uma Escritura Pública de União Poliafetiva, onde as três pessoas decidiram declarar publicamente a vida a três.

Ante o fato, urge a efetiva necessidade de identificar o que seria tal relação perante o Direito... (?) Em outras palavras, questiona-se: qual será a natureza jurídica desta relação?

Bem, conforme dissemos, anteriormente, a monogamia (ainda) é regra no ordenamento jurídico, de modo e o reconhecimento de relações pluriafetivas vem ferir e até transformar as bases sobre as quais se edifica a família, assim, numa postura cômoda, tanto quanto covarde, muito fácil seria tratar-se como “sociedade de fato” – como outrora já fora tratado as uniões estáveis e até as uniões homoafetivas – permitindo que, comprovado a cooperação na aquisição patrimonial, seja viabilizada a divisão de bens, sob o argumento de ser vedado o enriquecimento ilícito, mas não se reconhecendo o status familiar, nem os direitos que lhes forem decorrentes.

O registro da união poliafetiva por meio de escrituração pública levou em conta, por analogia, a figura da união estável sob o argumento de ser uma situação de fato, regida de forma pública, contínua e até duradoura sob a égide da informalidade. Alegou-se, para tanto, a existência do affectio maritallis e da intenção de se constituir família, essenciais à tais entidades familiares.

Bem, ao tempo em que não existe regra legal que proíba explicitamente tal situação, deságua-se na máxima noção da legalidade no âmbito privado, qual determina que “o que não está proibido, está permitido”. Ademais, não se pode olvidar que as bases das relações privadas são norteadas pela autonomia da vontade e no âmbito familiar deve prevalecer a ideia da intervenção mínima do Estado, assim, uma vez que o casal ou o trio, quarteto, etc. aceitarem aquela relação, não caberia a intervenção do poder público na esfera íntima dos mesmos, pois cabe ao Estado garantia de proteção e não alijar as pessoas de um tratamento igualitário diante de novas feições familiares.

Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, 108) assevera que “A atuação estatal não poderia invadir essa esfera de intimidade, pois, em uma relação de afeto, são os protagonistas que devem estabelecer as regras aceitáveis de convivência, desde que não violem a sua dignidade, nem interesses de terceiros”.

Nesta ordem de ideias, por mais chocante que inicialmente possa ser, imperioso se faz admitir que a proliferação destas uniões poliafetivas e sua eventual aceitação social pode promover uma ruptura aos paradigmas tradicionais, dando uma nova feição familiar.

Não se pode negar o dado sociológico de na atualidade o número de mulheres é muito maior que o número de homens. Chaga-se a sugerir uma proporção de que para cada homem existem sete mulheres... E será que o direito de se constituir família não deve alcançar a todos??? Então, como compatibilizar esta relação quantitativa diante da desproporção numérica entre homens e mulheres???

Por fim, não podemos esquecer, a propósito, que o reconhecimento pelo judiciário de direitos à concubina / amantes – independente dos fundamentos –, bem como a permissão legal (Art. 1.723, § 1º do CC-02) de que uma pessoa formalmente casada possa constituir união estável por se encontrar na condição de “separado de fato” demonstra que a pluralidade das entidades familiares pode ter como tendência o fim da monogamia e a legitimação da poligamia, dês que se resguarde entre os integrantes desta união poliafetiva a lealdade e boa fé.

Ademais, não se pode olvidar que atualmente o fundamento essencial à família é o AFETO, assim, independente de qual arranjo familiar se esteja inserido, deverá prevalecer a máxima de que “toda forma de amor vale à pena”, já que como arrematam os poetas da bossa nova, "Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho".

NOTAS:

¹ Há muito se debatia na doutrina a necessidade de se reconhecer as uniões homoafetivas como família. Neste sentido a vozes ativa da Maria Berenice Dias fomentou o debate jurídico de modo a proliferar na doutrina e na jurisprudência o entendimento do respeito à diversidade sexual, à igualdade e à dignidade da pessoa humana, de modo a garantir que o bom senso superasse o preconceito e a discriminação.

² Atualmente a doutrina especializada em Direito de Família tem dado bastante atenção ao tema, tratando como família recomposta, reconstituída, mosaico ou ensamblada. Neste sentido, vale à pena conferir: LÔBO, Paulo. Direito das Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. DIAS, Maria Berenice. Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.

BIBLIOGRAFIA

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Direito de Família: As famílias em perspectiva Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para Além do Numerus Clausus. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (Coord) Temas Atuais de Direito e Processo de Família. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.

DIVULGAÇÃO DA NOTÍCIA:





O AUTOR

Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano, Pós Graduado em Direito do Estado, bem como em Direito Civil e do Consumidor pelo JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito, além de aluno do Doutorado em Direito Civil na Universidad de Buenos Aires (UBA). Professor de Direito Civil, Criança e Adolescente e Consumidor, lecionando atualmente na FAMEC (Camaçari-Ba) e na Faculdade APOIO / UNIFASS (Lauro de Freitas-Ba), onde também é Coordenador do Curso de Direito.

www.cleverjatoba.adv.br
cleverjatoba@yahoo.com.br 

3 comentários:

  1. O mundo jurídico se tornou extremamente instável, a ponto de, como se fosse sal na água, se dissolver facilmente. Chegará o dia em que tudo na justiça será decidida na hora, sem Leis, sem regras fixas.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. A problemática surge exatamente quando é noticiado em rede nacional por todos os meios de comunicação em que um Homem acompanhado por duas mulheres, procura um cartório de registro civil para formalizar uma Escritura Pública de União Poliafetiva, rege uma dúvida sobre esse fato, principalmente quando se ouve falar que no nosso ordenamento jurídico vasto não se encontra nenhum dispositivo legal com essa previsão validando e nem proibindo, assim sob o prisma da máxima que regula a vida privada “o que não está proibido, está permitido”, cabe lembrar que sobre essa perspectiva é visto a idéia da não-intervenção estatal.

    A evolução do conceito de família a cada dia está mais distante da concepção clássica em que a família era constituída por um homem e uma mulher, assim, hoje devemos buscar entender quais seriam as conseqüências jurídicas para as partes, e os terceiros de boa-fé, lembrando que quando há o silencio do poder legislativo buscando efetivar e limitar essas relações começam a surgir julgados pelo país em que cada juiz julga conforme sua concepção de vida, impondo seus ideais religiosos, filosóficos, sociológicos e culturais, na mesa, esquecendo o legal agindo pelos emoções.

    ResponderExcluir