quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DAS PALMADAS EDUCATIVAS E OS LIMITES DO PODER FAMILIAR




QUEM BATE NÃO SABE EDUCAR

Por: Clever Jatobá

No último dia 25 de Julho de 2012 foi lançado na cidade de Buenos Aires, Argentina, em cerimônia ocorrida na UBA – Universidad de Buenos Aires – a 7ª edição do livro REFLEXIONES SOBRE DERECHO LATINO AMERICANO: Estudios em homenaje a La Profesora Flávia Piovesan  (ISBN 978-950-9037-46-6).

Tive o privilégio de ter um ARTIGO da minha autoria publicado nesta obra, no qual enfrentei o polêmico tema AS PALMADAS EDUCATIVAS E OS LIMITES DO EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR (p. 453-470).

A temática, apriori, parece simples, todavia, posicionar-me contra o uso dos castigos corporais pelos pais no processo de educação dos próprios filhos não é tarefa das mais fáceis, haja visto o fato de ser um comportamento culturalmente aceito pela sociedade em que vivemos, de modo que se faz muito comum ter a rejeição do leitor à prima face...

O artigo é resultado de uma abordagem que tem sido amadurecida nos últimos anos, em estudos, palestras que tenho conferido e nas aulas que tenho ministrado nas cadeiras de Direito de Família e de Direito da Criança e do Adolescente, em especial quando passo a abordar o PODER FAMILIAR.

Só para que se tenha ideia, normalmente 95% do público ouvinte (alunos, profissionais do direito e outras áreas) são favoráveis às “palmadas educativas” no processo de educação e disciplina dos filhos. Tornou-se corriqueiro Eu ouvir as afirmativas de que “apanhei quando criança e nem por isso fiquei traumatizado ou revoltado com meus pais”, ou também “é melhor apanhar em casa, do que apanhar na rua”, ou até a clássica “pé de galinha não mata pinto”. Pois é... tal cenário demonstra a falta de reprovação social à conduta dos pais educarem seus filhos à base da “porrada”...

Bem, esta aceitação social é mero resultado histórico da propagação de uma cultura que se protrai no tempo de épocas remotas à atualidade. Assim, quebrar uma tradição não é tarefa das mais fáceis, principalmente neste ponto em que enfrentamos o debate acerca da educação, pois antes de educarmos os filhos, precisaremos reeducarmos os pais.

No processo educacional, o respeito e a disciplina historicamente foram impostos pela força e rigidez do tratamento, de modo a se permitir com naturalidade a submissão dos “menores” aos castigos corporais por simples insubordinações, ou peripécias próprias da imaturidade etária. Mais ainda, na educação formal – aquela proporcionada pelas escolas – o uso de castigos corporais (como palmatória) e medidas vexatórias era uma prática concebida pela normalidade (sic).

O avanço da sociedade contemporânea mudou muitos paradigmas sociais e jurídicos... Felizmente fora abolido da educação formal os castigos corporais e vexatórios, de modo a preservar a integridade e a dignidade dos educandos.  

No âmbito do Direito, as diretrizes dos Direitos Humanos tomaram corpo a partir do Pós Guerra, passando a nortear o universo jurídico sob as diretrizes da proteção à Dignidade da Pessoa Humana, tutelando como sujeitos especiais de direito as minorias e os grupos mais hipossuficientes, que não tinham voz ativa para conseguir seu espaço e a salvaguarda dos seus direitos num parâmetro mínimo de igualdade. Neste contexto surge a proteção da CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

As diretrizes de tutela dos Direitos da Criança e do Adolescente são sedimentadas pela Doutrina da Proteção Integral, qual os reconhecem como criança e adolescente (não mais “menores”), concebendo-os como sujeitos de direito, que merecem proteção integral e prioridade absoluta na implementação e salvaguarda dos seus direitos, uma vez que se passa a respeitar a condição de pessoa em situação peculiar de desenvolvimento.

Neste contexto, as crianças e adolescentes passam a serem protegidos pelo ordenamento jurídico, não mais ficando alijados dos seus direitos, nem da sua dignidade.

No seio de família, a criança e o adolescente têm o seu primeiro ambiente social, doméstico e afetivo, lócus onde se aprendem os valores, a educação e se desenha para todo o sempre o caráter e a personalidade do indivíduo.

A ingerência dos pais no processo de desenvolvimento dos filhos é norteada, pelo prisma jurídico, pelo chamado “PODER FAMILIAR”, um dever-poder que vincula pais e filhos sob a diretriz de que compete aos pais o dever de cuidar, educar e assistir (material e moralmente) aos seus filhos, ao tempo em que os mesmos têm o poder de exigir dos filhos o respeito e a obediência.

Pois bem, o limite entre o respeito e o medo para alcançar a obediência não pode ser confundido... haja visto o fato da concepção contemporânea de que o maior fundamento das relações familiares repousa no afeto. Assim, família é um ambiente essencialmente afetivo, devendo ser compreendida como uma comunidade de entreajuda voltada para o desenvolvimento da personalidade dos seus membros em prol da felicidade e realização pessoal, sendo essencialmente norteada pelas diretrizes do amor.

Uma das hipóteses em que a Lei reconhece o abuso no exercício do poder familiar se configurar nas hipóteses em que o pai, ou a mãe castigar imoderadamente o filho. Assim, muitos doutos sustentam a possibilidade de se lançar mão dos castigos corporais, só que de forma moderada (sic).

No artigo pontuamos que:

Vale sinalizar que o limite entre as tais “palmadinhas educativas” e a violência física é muito tênue, uma vez que ninguém bate em outrem num momento de ponderação, razoabilidade, ou de satisfação. Ao contrário, lança-se mão da agressão física quando a peripécia, a desobediência, ou o desrespeito foi tão grande, a ponto de tirar os pais do sério, fazendo com que os mesmos percam o controle e lancem mão da porrada. (JATOBÁ, 2012, p. 467)


Outrossim, quando os pais (ou parentes) batem nos seus filhos se impõe no mínimo uma situação de extrema covardia, não apenas pela normal desproporção física do adulto diante das crianças ou adolescentes, como também pela  impossibilidade de defesa do mesmo, o que qualificaria a covardia e ostentaria as feições da crueldade.

Não queremos dizer que no processo de educação dos filhos não se possa lançar mão de castigos, ao contrário, eles podem ser usados. Defendemos apenas que devem ser banidos os castigos corporais, por não vislumbrarmos nele nenhum aspecto pedagógico, nem se adéqua às sanções de que se pode lançar mão na vida adulta – já que o ordenamento jurídico não permite tortura, nem penas degradantes e ainda impõe a preservação da integridade física e moral (Art. 5º, XLIX da CF-88). 

Na ordem dos castigos lícitos que fazem jus os pais no processo educativo cabe privá-los: “de momentos de diversão, entretenimento e lazer, bem como cerceando a liberdade de sair para brincar com os amigos, privando-o de jogos e brinquedos que eles gostem, como forma de ensiná-los que os seus atos tem consequências e que não ficam impunes” (JATOBÁ, 2012, p. 467-468).

Ao bem da verdade, o artigo tem como compromisso uma abordagem sob o prisma jurídico, todavia, estando o Direito à serviço da regulamentação da vida social, entre ele (o Direito) e a sociedade existe um convívio em eterna simbiose, onde há muito já se sedimenta o brocado ubi societas, ibi jus qual delineia a ideia de que onde existe a sociedade existe o Direito. Vale acrescentar, que a recíproca é também verdadeira: ubi jus, ibi societas - onde existe o Direito existe a sociedade, uma vez que não haveria razão de ser do direito sem a sociedade.

Pois bem, nesta inter-relação entre o Direito e a sociedade tem sido comum a sociedade ajudar a transformar o Direito, inclusive por conta da concepção filosófica difundida por Miguel Reale (2003) e batizada com o nome de Tridimensionalismo Jurídico, de que o Direito é decorrência da tríplice relação entre “Valor – Fato – Norma”. Pois bem, ao submeter a observação do fato social à um juízo de valor se alcança a necessidade de estabelecer uma norma a serviço da vida social...

Por seu turno, também acontece do Direito ajudar a transformar a sociedade...  assim, arrematamos o artigo asseverando que “no caso das “palmadas educativas”, cabe ao Direito a missão de ajudar no processo de transformação social, promovendo a conscientização dos pais e da sociedade como um todo, de que violência só pode ser combatida pelo AMOR” (JATOBÁ, 2012, p. 469).

Por derradeiro, afirmamos que quem semeia violência não pode colher amor... Assim, é impossível sonharmos com um mundo melhor, se não tivermos pessoas melhore no mundo.

BIBLIOGRAFIA:

JATOBÁ, Clever. AS PALMADAS EDUCATIVAS E OS LIMITES DO PODER FAMILIAR. In: TAYAH, José Marcos; ROMANO, Letícia Danielle; ARAGÃO, Paulo. (Coord) Reflexiones sobre Derecho Latinoamericano: Estudios en homenaje a la Profesora Flávia Piovesan. Buenos Aires: Quorum, 2012. (p.453-470).

REALE, Miguel. TRIDIMENSIONALISMO JURÍDICO. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

O AUTOR

Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano, Pós Graduado em Direito do Estado, bem como em Direito Civil e do Consumidor pelo JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito, além de aluno do Doutorado em Direito Civil na Universidad de Buenos Aires (UBA). Professor de Direito Civil, Criança e Adolescente e Consumidor, lecionando atualmente na FAMEC (Camaçari-Ba) e na Faculdade APOIO / UNIFASS (Lauro de Freitas-Ba), onde também é Coordenador do Curso de Direito.

www.cleverjatoba.adv.br
cleverjatoba@yahoo.com.br 





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