quarta-feira, 28 de maio de 2014

IED - Noções Propedêuticas

Introdução ao Estudo do Direito
Prof. Clever Jatobá[1]

1.      CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na clássica visão aristotélica, o homem é um ser gregário, ou seja, para atender às suas próprias necessidades, está propenso a viver em agrupamentos sociais. Ocorre, porém, que a vida em sociedade não é uma tarefa simples, pois exige a imposição de limites à liberdade individual, de modo a garantir que a convivência e as relações interpessoais seja harmônicas. Deste contexto, surge, então, a figura do Direito.

Ao bem da verdade, a palavra “direito” pode ter várias conotações[2], todavia, num sentido mais básico sob a ótica jurídica, este pode ser compreendido como instrumento hábil à regulamentação da vida em sociedade, pois será este o responsável pelas limitações das liberdades individuais, bem como da sua própria garantia, assim, estabelece-se a máxima de que o direito de alguém termina, quando começar o de outrem.

Com base nestas premissas, ao regular a vida em sociedade, incumbe-se ao Direito a missão de se preservar a harmônica convivência interpessoal e garantir o bem-estar social.

1.1.NOÇÕES DE I.E.D. PARA COMPREENSÃO DO DIREITO

Diferentemente das ciências exatas, onde a segurança dos seus dados estabelece uma resposta exata, imutável e específica, o Direito como ciência social não se subsumi à tal imutabilidade, pois apesar de estabelecer regras que limitam, proíbem ou autorizam comportamentos humanos, caracteriza-se, essencialmente, pela liberdade de escolha do agente em relação à sua conduta. Assim, diz-se que as ciências exatas são ciências do “ser”, ao tempo em que a ciência do Direito é iminentemente do “dever ser”.

Em meio a esta realidade, o Direito como ciência social estabelece regras, norteadas por princípios jurídicos, ou balizas morais, que devem ser cumpridas em sua conformidade, mas que, diante da liberdade de escolha de cada sujeito, pode ser violada por um comportamento diametralmente oposto à sua dicção.

O Direito como ciência social concebe classificações variadas que ajudam a desenhar os seus contornos e viabilizar a compreensão de várias das suas concepções. Assim, atendendo à natureza propedêutica do estudo inicial do Direito, faremos uma breve e sucinta distinção entre algumas destas acepções do “Direito” no seio do estudo da ciência jurídica.

1.1.1        Direito, Moral e Justiça

Quando se fala em “direito”, no censo comum se pensa em algo correto, em agir em acordo com o que está certo, seguindo preceitos próprios da distinção entre certo e errado.

Ocorre, porém, que quando se fala em Direito sob a ótica jurídica encontra-se no inconsciente coletivo a natural aproximação da sua compreensão com a ideia de justiça. Não obstante o fato de ser muito comum se aproximar Direito de justiça, ambos não se confundem. Direito é algo que regula as relações intersubjetivas estabelecendo as regras de convívio social, ao tempo em que justiça é um ideal que se desenha sob diretrizes axiológicas.
  
Por isso é que Alysson Leandro Mascaro[3] esclarece que a justiça “não é um dado objetivo, algo concreto ou palpável por si só: o justo é uma relação, juma medida, uma proporção”.
 

Uma vez que não se confundem, é natural que hajam situações que legalmente sejam de direito, mas que nem sempre se amoldam ao que se espera da justiça.

Por sua vez, é comum também se confundir as regras do Direito com as regras morais. Eis aqui mais um equívoco... Ao bem da verdade, as normas morais e as normas jurídicas estabelecem regras de comportamento, quais se distinguem no ponto da possibilidade de se impor uma sanção como consequência da sua violação, bem como da coercitividade de se exigir tal efeito. Neste contexto, ao tempo em que quando violadas as normas jurídicas é possível se regular como efeito a imposição de uma sanção, ou uma medida reparadora aplicada de forma coercitiva, no caso da violação às regras morais, esta não se submete à uma sanção legal como consequência, mas, apenas, à reprovação moral, da qual não se pode exigir uma punição correspondente.

Malgrado o fato do Direito não se confundir com a justiça, nem tampouco com a moral, além de coexistirem diante da realidade social, eles podem conhecidir e se coadunarem em uma mesma situação, sendo, esta, talvez, o ideal a se buscar concretizar. Cremos, inclusive, que o Direito deve ser norteado por valores morais, éticos, e essencialmente pelo censo de justiça, sob pena de perder sua essência e até a sua razão de ser.

1.1.2. Direito Positivo e Direito Natural

O ponto de partida da Introdução ao Estudo do Direito (IED) repousa na clássica distinção entre o que seria Direito Positivo e Direito Natural. Tal distinção, a propósito, norteia os embates filosóficos das correntes Jusnaturalistas em detrimento da escola do Positivismo Jurídico.

O Direito Positivo consiste no direito vigente num determinado país em uma determinada época, posto pelo Estado como instrumento de regulamentação da vida social, ou seja, é aquele estabelecido por opção do legislador que (em tese) deve refletir a vontade do povo e atender às necessidades e reclames sociais, de modo a preservar o bem-estar das relações interpessoais.

Por sua vez, o Direito Natural não é criado pelo Estado, nem tampouco pela sociedade, trata-se de um direito espontâneo, que surge da própria natureza social do ser humano, que se revela ao longo das experiências sociais pela ótica da razão.

Desta forma, podemos dizer que o Direito Natural se figura como algo ideal, consubstanciando princípios de caráter universal que antecedem ao Direito Positivo e lhe servem de inspiração, de norte à busca do que é ideal à sociedade num dado momento.

1.1.3. Direito Objetivo, Direito Subjetivo e Direito Potestativo

No que tange à amplitude e alcance do direito, bem como à liberdade na escolha da conduta, duas são as concepções do Direito, quais sejam: o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo.

Neste esteio, o Direito Objetivo consiste no conjunto de normas jurídicas de caráter geral, estabelecidas genericamente, com alcance erga omnes, ou seja, que impõe a todos a sua observância. Por sua vez, o Direito Subjetivo já consiste na faculdade que o titular de um determinado direito tem de invoca-lo em seu favor, ou de agir em conformidade com o Direito Objetivo, ou até de pleitear que este lhe seja garantido.

Por se tratar, o Direito de ciência do “dever ser” e, assim, estar submetida à liberdade de escolha do agente em relação à sua conduta, tal distinção vem elucidar a ideia de que o Direito Objetivo estabelece genericamente as regras do convívio social, ao tempo em que o direito Subjetivo submete tais regras ao livre arbítrio do sujeito, qual pode escolher viver conforme o Direito, ou violá-lo, bem como se submeter à violação, ou reclamar sua proteção.

Ainda sob a ótica da compreensão desta amplitude da expressão “direito”, não se pode deixar de apreciar os direitos potestativos, ou seja aquele que permite a um titular de um direito interferir na esfera jurídica de outrem, sem que nada este outro possa fazer. Neste caso, poderíamos exemplificar a situação de uma pessoa cancelar uma procuração, ou de um empregador despedir o seu funcionário, ou até mesmo, de um cônjuge requerer o divórcio e a dissolução do seu casamento. Tais situações desenham a essência do direito potestativo.

1.1.4. Direito Público e Direito Privado

Apesar de todas as conotações ou desdobramentos que a “expressão” direito pode nos oferecer, como ciência jurídica social, o Direito é uno e indivisível, de modo a garantir a regulamentação da vida social. Assim, conceitos básicos, premissas e princípios gerais do Direito deve ter amplo alcance e garantir plena segurança às relações jurídicas no seio da sociedade, não devendo ser modificado, nem tampouco ter interpretações ou concepções antagônicas dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Não obstante à unicidade do Direito como ciência social, para facilitar o seu estudo e a sua compreensão, de forma pedagógica buscou-se dividi-lo em dois grandes blocos, o Direito Público e o Direito Privado, estabelecendo, assim, a clássica dicotomia do direito.

Esta dicotomia do Direito, conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 26), tem sua origem no Direito Romano, sendo encontrado no Digesto (Livro I, título I, § 2º), na lição do Jurisconsulto Ulpiano, que estabelecia “Direito público é o que corresponde às coisas do Estado; direito privado, o que pertence à utilidade das pessoas”.

O Direito Público, então, consiste no bloco do Direito qual regula as relações em que o Estado é parte, regendo sua organização e suas atividades, bem como sua interação com outros Estados, ou com os particulares, procedendo em razão do seu poder soberano, bem como atuando em prol da tutela do bem coletivo (DINIZ, 2008, p.17).

Por sua vez, o Direito Privado está a serviço da proteção do interesse particular, regulamentando as relações jurídicas entre particulares, preservando o indivíduo em si, e diante das suas inter-relações.

Apesar da clássica distinção, atualmente tal dicotomia tem sido ferrenhamente criticada, sendo, inclusive, concebida como superada, pois a complexidade das relações jurídicas da atualidade e a interdisciplinaridade entre os ramos e sub-ramos do direito moderno permitem a interseção constante entre os fundamentos que sustentam (ou melhor, sustentavam) esta dicotomia, de modo que diante de muitas situações tais valores se entrelaçam, permitindo uma simbiose entre ambos os blocos desta clássica dicotomia.

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do direito Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. 10ª ed.São Paulo: Saraiva, 2012.

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2014.

LEITURA COMPLEMENTAR

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2013.

FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2013.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Gen, Forense, 2013.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Saraiva, 2013.
 


[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico, Pós Graduado em Direito do Estado, bem como em Direito Civil e do Consumidor (JusPodivm), Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal), bem como, Aluno do Curso de Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA – Argentina). Professor de Direito Civil e IED da Faculdade Ruy Barbosa, onde é Advogado e Supervisor do Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade APOIO UNIFASS (Lauro de Freitas-Ba). Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.
[2] Conforme leciona Maria Helena Diniz (2008, p.4), “o termo ‘direito’ não é unívoco, e nem tampouco equívoco, mas análogo, pois designa realidades conexas ou relacionadas entre si. Deveras, esse vocábulo ora se aplica à ‘norma’, ora à ‘autorização ou permissão’ dada pela norma de ter ou fazer o que ela proíbe, ora à ‘qualidade do justo’ etc., exigindo tantos conceitos quantas forem as realidades a que se refere.”

[3] MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2014. P.191.

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