quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

UNIÃO ESTÁVEL

Desvendado os mistérios da Família de Fato
Por: Clever Jatobá[1]

No âmbito jurídico das relações familiares, um dos assuntos mais complexos de se discutir na atualidade consiste no reconhecimento e dissolução da união estável, entidade familiar estabelecida entre homem e mulher[2], com base na realidade fática do convívio como se casados fossem, que foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988 (Art.226, §3º)[3].

Na América Latina, o Brasil está na vanguarda da regulamentação da família de fato. Tamanha a relevância deste tema, me motivou a escrever um capítulo sobre o assunto, em espanhol, qual tive a oportunidade de publicar no livro “Desafíos y perspectivas del Derecho Contemporáneo”, lançado recentemente pela Editorial Dunken[4] em Buenos Aires, Argentina, qual acabo de receber alguns exemplares.

O texto originalmente publicado em espanhol permite-me compartilhar com os irmãos Argentinos e dos demais países latinos a lição brasileira sobre a família de fato. Mas, tratando-se de um tema tão relevante na realidade brasileira, o mesmo precisa ser sempre lido e relido pelos nossos juristas, para sedimentar a essência desta entidade familiar nos dias atuais.

A polêmica da união estável está em dois aspectos: 1º) como se constitui; e 2º) quais os efeitos que dele emana.

Em linhas teóricas, o assunto é simples. A união estável se constitui na realidade de fato, sendo fundada no convívio público, contínuo e duradouro no qual o casal tem a intenção de constituir família (CC-02, Art. 1723). No que tange aos seus efeitos, tratando-se de entidade familiar, aplica-se à mesma todos os direitos próprios às relações familiares, quais sejam, alimentos, regulamentação de guarda de filhos, partilha de bens, além dos efeitos sucessórios.

Ocorre, porém, que apesar de teoricamente ser um assunto com critérios pré-definidos, na prática o mesmo reclama uma minuciosa observação da realidade, qual deverá ser desenhada por meio das provas acostadas aos autos, quando do ajuizamento de ação de reconhecimento e dissolução de união estável.

Daí, surgem dois questionamentos: é necessário o ajuizamento de ação de reconhecimento e dissolução de união estável? E se por ventura o casal tiver uma escritura pública de união estável, isso não basta?

Bem, diferentemente do casamento que após sua celebração é registrado e se extrai certidão como prova da sua existência, a união estável não se constitui por meio de um episódio específico a ser documentado e oficialmente registrado. A união estável se constitui no cotidiano, na realidade fática que ateste a existência de um convívio público, contínuo e duradouro com o animo de constituir família, por isso, a escritura pública de união estável tem apenas e somente a natureza declaratória (e não constitutiva do vínculo), não prevalecendo, em hipótese alguma, ao apreço da realidade dos fatos.

Assim, mesmo que haja uma escritura desta natureza, a mesma não é prova cabal da existência da união estável, pois como já dissemos, tal entidade familiar se edifica diante da realidade fática, ou seja, diante da comprovação de que existiu o convívio público, contínuo e duradouro com o animus de constituir família. Assim, a referida escritura pública será apenas uma simples prova documental da existência desta relação, qual pode, por sua vez, não repercutir muito diante do apreço das demais provas.

Ao bem da verdade, estas escrituras públicas têm sido indevidamente exigidas por planos de saúde, ou por empresas em que a pessoa trabalhe como requisito essencial ao exercício de direitos de um dos conviventes. Conforme determina a Constituição Federal Brasileiro “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (Art. 5º, II), assim, uma vez que a lei não exige forma especial (escritura pública), nem outro documento específico, trata-se de uma exigência absurdamente indevida, que fomenta a economia cartorária e engana aqueles que a fizeram, pois os deixam com a falsa ilusão de que este documento por si só seria o bastante para comprovar a existência da união estável, o que não é verdade, já que o mesmo tem natureza declaratória e não constitutiva.

Cabe arrematar, que a união estável se constitui com o apreço da realidade, de modo que se faz necessário o ajuizamento da ação judicial de reconhecimento e dissolução sempre que houver obstáculos aos efeitos que dela emanem. Agora, em juízo, caberá ao magistrado formar seu convencimento com o apreço de todo e qualquer meio de prova admitido em direito, para que se verifique se, de fato, o convívio afetivo público, continuo e duradouro era próprio de uma relação de família e não apenas um namoro.

Tal distinção é um terreno meio movediço, mas o apreço das provas irá identificar se a relação retratava uma comunhão plena de vidas que deve ser esperada por um enlace familiar, no qual se desenham planos comuns de vida, projetos comuns de futuro, compartilhando entre ambos as despesas e obrigações diversas do cotidiano como uma verdadeira FAMÍLIA.



[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano, Pós Graduado em Direito do Estado pelo JusPodivm, Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSal, Aluno do Doutorado em Direito Civil pela UBA – Universidade de Buenos Aires – (Argentina). Professor e coordenador do Curso de Direito da Faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas-Ba), bem como Professor de Direito da Faculdade Ruy Barbosa, onde também Advoga e Coordena o Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio. (E-mail: cleverjatoba@yahoo.com.br)
[2] Conforme texto expresso da Constituição Federal Brasileira (Art. 226, § 3º) a união estável é concebida entre homem e mulher. Não obstante tal situação, com o reconhecimento das uniões homoafetivas com entidade familiar agasalhada constitucionalmente pelo Princípio da Pluralidade das entidades familiares, o Supremo Tribunal Federal concebeu às uniões entre pessoas do mesmo sexo o status de família, mas, em face da ausência de legislação que regule tal entidade familiar, aplica-se à mesma por analogia – nos termos da LINDB -as regras da união estável, como forma de suprir a lacuna legislativa e não alijar os pares que convivem nesta realidade familiar dos seus direito.
[3] Art. 226, § 3º “Para efeito da proteção do estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
[4] Apesar do livro sair datado em 2013, o mesmo só chegou à praça em Janeiro de 2014.

2 comentários:

  1. Diante da complexidade do assunto, achei esse texto muito esclarecedor e com uma linguagem leve e transparente fazendo com que qualquer pessoa compreenda o que fora exposto. Agradeço pela disposição do texto professor, pois me ajudou muito!

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  2. Verdade Caroline muito bom mesmo o texto !

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