Desvendado os mistérios da Família de Fato
Por:
Clever Jatobá[1]
No âmbito jurídico das
relações familiares, um dos assuntos mais complexos de se discutir na
atualidade consiste no reconhecimento e dissolução da união estável, entidade
familiar estabelecida entre homem e mulher[2], com
base na realidade fática do convívio como se casados fossem, que foi
reconhecida pela Constituição Federal de 1988 (Art.226, §3º)[3].
Na América Latina, o
Brasil está na vanguarda da regulamentação da família de fato. Tamanha a
relevância deste tema, me motivou a escrever um capítulo sobre o assunto, em
espanhol, qual tive a oportunidade de publicar no livro “Desafíos y
perspectivas del Derecho Contemporáneo”, lançado recentemente pela Editorial
Dunken[4] em
Buenos Aires, Argentina, qual acabo de receber alguns exemplares.
O texto originalmente
publicado em espanhol permite-me compartilhar com os irmãos Argentinos e dos
demais países latinos a lição brasileira sobre a família de fato. Mas,
tratando-se de um tema tão relevante na realidade brasileira, o mesmo precisa
ser sempre lido e relido pelos nossos juristas, para sedimentar a essência
desta entidade familiar nos dias atuais.
A polêmica da união
estável está em dois aspectos: 1º) como se constitui; e 2º) quais os efeitos
que dele emana.
Em linhas teóricas, o
assunto é simples. A união estável se constitui na realidade de fato, sendo
fundada no convívio público, contínuo e duradouro no qual o casal tem a
intenção de constituir família (CC-02, Art. 1723). No que tange aos seus
efeitos, tratando-se de entidade familiar, aplica-se à mesma todos os direitos
próprios às relações familiares, quais sejam, alimentos, regulamentação de
guarda de filhos, partilha de bens, além dos efeitos sucessórios.
Ocorre, porém, que
apesar de teoricamente ser um assunto com critérios pré-definidos, na prática o
mesmo reclama uma minuciosa observação da realidade, qual deverá ser desenhada
por meio das provas acostadas aos autos, quando do ajuizamento de ação de
reconhecimento e dissolução de união estável.
Daí, surgem dois questionamentos:
é necessário o ajuizamento de ação de reconhecimento e dissolução de união
estável? E se por ventura o casal tiver uma escritura pública de união estável,
isso não basta?
Bem, diferentemente do
casamento que após sua celebração é registrado e se extrai certidão como prova
da sua existência, a união estável não se constitui por meio de um episódio
específico a ser documentado e oficialmente registrado. A união estável se
constitui no cotidiano, na realidade fática que ateste a existência de um convívio
público, contínuo e duradouro com o animo de constituir família, por isso, a
escritura pública de união estável tem apenas e somente a natureza declaratória
(e não constitutiva do vínculo), não prevalecendo, em hipótese alguma, ao
apreço da realidade dos fatos.
Assim, mesmo que haja
uma escritura desta natureza, a mesma não é prova cabal da existência da união
estável, pois como já dissemos, tal entidade familiar se edifica diante da
realidade fática, ou seja, diante da comprovação de que existiu o convívio
público, contínuo e duradouro com o animus de constituir família. Assim, a
referida escritura pública será apenas uma simples prova documental da
existência desta relação, qual pode, por sua vez, não repercutir muito diante
do apreço das demais provas.
Ao bem da verdade,
estas escrituras públicas têm sido indevidamente exigidas por planos de saúde,
ou por empresas em que a pessoa trabalhe como requisito essencial ao exercício
de direitos de um dos conviventes. Conforme determina a Constituição Federal
Brasileiro “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude da lei” (Art. 5º, II), assim, uma vez que a lei não exige forma
especial (escritura pública), nem outro documento específico, trata-se de uma
exigência absurdamente indevida, que fomenta a economia cartorária e engana
aqueles que a fizeram, pois os deixam com a falsa ilusão de que este documento
por si só seria o bastante para comprovar a existência da união estável, o que
não é verdade, já que o mesmo tem natureza declaratória e não constitutiva.
Cabe arrematar, que a
união estável se constitui com o apreço da realidade, de modo que se faz
necessário o ajuizamento da ação judicial de reconhecimento e dissolução sempre
que houver obstáculos aos efeitos que dela emanem. Agora, em juízo, caberá ao
magistrado formar seu convencimento com o apreço de todo e qualquer meio de
prova admitido em direito, para que se verifique se, de fato, o convívio
afetivo público, continuo e duradouro era próprio de uma relação de família e
não apenas um namoro.
Tal distinção é um
terreno meio movediço, mas o apreço das provas irá identificar se a relação
retratava uma comunhão plena de vidas que deve ser esperada por um enlace
familiar, no qual se desenham planos comuns de vida, projetos comuns de futuro,
compartilhando entre ambos as despesas e obrigações diversas do cotidiano como
uma verdadeira FAMÍLIA.
[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano,
Pós Graduado em Direito do Estado pelo JusPodivm, Mestrando em Família na
Sociedade Contemporânea pela UCSal, Aluno do Doutorado em Direito Civil pela
UBA – Universidade de Buenos Aires – (Argentina). Professor e coordenador do
Curso de Direito da Faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas-Ba), bem como
Professor de Direito da Faculdade Ruy Barbosa, onde também Advoga e Coordena o
Balcão de Justiça e Cidadania da Boca do Rio. (E-mail:
cleverjatoba@yahoo.com.br)
[2] Conforme texto expresso da
Constituição Federal Brasileira (Art. 226, § 3º) a união estável é concebida
entre homem e mulher. Não obstante tal situação, com o reconhecimento das
uniões homoafetivas com entidade familiar agasalhada constitucionalmente pelo
Princípio da Pluralidade das entidades familiares, o Supremo Tribunal Federal
concebeu às uniões entre pessoas do mesmo sexo o status de família, mas, em
face da ausência de legislação que regule tal entidade familiar, aplica-se à
mesma por analogia – nos termos da LINDB -as regras da união estável, como
forma de suprir a lacuna legislativa e não alijar os pares que convivem nesta
realidade familiar dos seus direito.
[3] Art. 226, § 3º “Para efeito da
proteção do estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
[4] Apesar do livro sair datado em
2013, o mesmo só chegou à praça em Janeiro de 2014.
Diante da complexidade do assunto, achei esse texto muito esclarecedor e com uma linguagem leve e transparente fazendo com que qualquer pessoa compreenda o que fora exposto. Agradeço pela disposição do texto professor, pois me ajudou muito!
ResponderExcluirVerdade Caroline muito bom mesmo o texto !
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