DAS UNIÕES POLIAFETIVAS
E OS NOVOS PARADIGMAS DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
Por: CLever Jatobá
O
Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares – implicitamente prescrito no
Art. 226 da Constituição Federal Brasileira de 1988 – conseguiu transformar a
concepção de Família no universo jurídico contemporâneo: retirou-se do
casamento a hegemonia de ser a única modalidade de Família reconhecida pelo
Direito (Código Civil de 1916), elevando ao mesmo status o convívio familiar de
fato entre homem e mulher, de natureza pública, contínua e duradoura, com intenção de constituir família, concebendo-o como união estável (Art.226, § 3º, CF-88); além de reconhecer as
famílias monoparentais, quais vinculam apenas pais e filhos, independente do
vínculo entre os pais (Art.226, § 4º, CF-88).
Conforme
leciona Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, p.17) “Os tipos de entidades framiliares
explicitamente referidos na Constituição brasileira não encerram numerus clausus”, assim, tendo um rol
meramente exemplificativo, cabe-se ampliar a proteção familiar a todos os
arranjos familiares que se amoldem às diretrizes familiares delineadas pelo
princípio da afetividade.
Dada
a concepção pluralizada desta nova realidade, imperioso se fez, com base nos
princípios da igualdade, da não discriminação (sexual) e da preservação da
dignidade da pessoa humana, reconhecer via judicial as uniões homoafetivas como
entidades familiares¹, aplicando-se às mesmas, por analogia, os regramentos da
união estável. Neste sentido, o STF reconheceu tal entidade familiar no
julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, julgadas em 04 de maio de 2011.
Outros
arranjos familiares tem recebido uma atenção do direito, em especial a
concepção familiar parental, qual, inclusive, recebe previsão expressa do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), recebendo o nome de Família Extensa
ou Ampliada, qual reconhece aos parentes próximos com os quais a criança e o
adolescente tenham vínculo de afinidade e afetividade o status de família
natural (ECA - Art. 25, Parágrafo Único).
Até
então, o maior desafio do universo jurídico era reconhecer de forma similar, os
direitos de família (guarda e alimentos, por exemplo) aos filhos e enteados
integrantes das Famílias recompostas, ou reconstituídas – tal modalidade de
família diz respeito aquele agrupamento familiar onde os integrantes saem de
outras experiências familiares ou afetivas, trazendo consigo filho(s) destes
relacionamentos anteriores e buscam recompor sua vida com um outro alguém,
permitindo o convívio entre filhos comuns com os unilaterais (aqueles filhos
individuais de cada um do casal), criando vínculos de parentesco entre os meio
irmãos e entre padrastos e madrastas que muitas vezes assumem as funções de
verdadeiros pais e mães².
Bem,
como o dinamismo da vida social é insuperável e infinitamente veloz, o
judiciário tem reconhecido também os chamados “Direitos da(o) Amante”. É o
seguinte, o Código Civil não reconhece como família o Concubinato (Art. 1.727
do CC-02), ou seja aquela relação não eventual entre homem e mulher impedidos
de casar (ou seja, a relação com alguém que já tenha uma outra família), haja
visto o fato da monogamia ser a regra familiar do ordenamento jurídico
brasileiro (o Código Penal Brasileiro, a propósito, tipifica a bigamia como
crime em seu Art. 235).
Quando
o judiciário tem sido provocado diante de tais situações, o mesmo tem concedido
direitos de família à(ao) amante / concubina(o), sob o fundamento de proteção
ao terceiro de boa-fé, bem como sob o argumento de não poder ostentar em favor
do cônjuge o enriquecimento sem causa, em detrimento da cooperação da(o) amante
no crescimento pessoal do seu consorte. Neste esteio, inclusive, os efeitos
previdenciários tem sido divididos igualmente entre a esposa (ou companheira) e
a(o) amante / concubina(o).
Só
que tal dinamismo social – legitimamente amparado pelo Princípio Constitucional
da Pluralidade das Entidades Familiares – tem tomado rumos diversos, ilimitados
e jamais concebidos anteriormente. Conforme foi anunciado na imprensa
(24.08.12), um homem e duas mulheres da cidade de Tupã, no
interior de São Paulo, registraram em cartório uma Escritura Pública de União
Poliafetiva, onde as três pessoas decidiram declarar publicamente a vida a três.
Ante
o fato, urge a efetiva necessidade de identificar o que seria tal relação perante o
Direito... (?) Em outras palavras, questiona-se: qual será a natureza jurídica desta
relação?
Bem,
conforme dissemos, anteriormente, a monogamia (ainda) é regra no ordenamento
jurídico, de modo e o reconhecimento de relações pluriafetivas vem ferir e até
transformar as bases sobre as quais se edifica a família, assim, numa postura
cômoda, tanto quanto covarde, muito fácil seria tratar-se como “sociedade de
fato” – como outrora já fora tratado as uniões estáveis e até as uniões
homoafetivas – permitindo que, comprovado a cooperação na aquisição
patrimonial, seja viabilizada a divisão de bens, sob o argumento de ser vedado
o enriquecimento ilícito, mas não se reconhecendo o status familiar, nem os
direitos que lhes forem decorrentes.
O
registro da união poliafetiva por meio de escrituração pública levou em conta,
por analogia, a figura da união estável sob o argumento de ser uma situação de
fato, regida de forma pública, contínua e até duradoura sob a égide da
informalidade. Alegou-se, para tanto, a existência do affectio maritallis e da intenção de se constituir família,
essenciais à tais entidades familiares.
Bem,
ao tempo em que não existe regra legal que proíba explicitamente tal situação, deságua-se
na máxima noção da legalidade no âmbito privado, qual determina que “o que não
está proibido, está permitido”. Ademais, não se pode olvidar que as bases das
relações privadas são norteadas pela autonomia da vontade e no âmbito familiar
deve prevalecer a ideia da intervenção mínima do Estado, assim, uma vez que o
casal ou o trio, quarteto, etc. aceitarem aquela relação, não caberia a
intervenção do poder público na esfera íntima dos mesmos, pois cabe ao Estado
garantia de proteção e não alijar as pessoas de um tratamento igualitário
diante de novas feições familiares.
Neste
sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, 108) assevera
que “A atuação estatal não poderia invadir essa esfera de intimidade, pois, em
uma relação de afeto, são os protagonistas que devem estabelecer as regras
aceitáveis de convivência, desde que não violem a sua dignidade, nem interesses
de terceiros”.
Nesta
ordem de ideias, por mais chocante que inicialmente possa ser, imperioso se faz
admitir que a proliferação destas uniões poliafetivas e sua eventual aceitação
social pode promover uma ruptura aos paradigmas tradicionais, dando uma nova
feição familiar.
Não
se pode negar o dado sociológico de na atualidade o número de mulheres é muito
maior que o número de homens. Chaga-se a sugerir uma proporção de que para cada
homem existem sete mulheres... E será que o direito de se constituir família
não deve alcançar a todos??? Então, como compatibilizar esta relação
quantitativa diante da desproporção numérica entre homens e mulheres???
Por
fim, não podemos esquecer, a propósito, que o reconhecimento pelo judiciário de
direitos à concubina / amantes – independente dos fundamentos –, bem como a permissão
legal (Art. 1.723, § 1º do CC-02) de que uma pessoa formalmente casada possa
constituir união estável por se encontrar na condição de “separado de fato”
demonstra que a pluralidade das entidades familiares pode ter como tendência o
fim da monogamia e a legitimação da poligamia, dês que se resguarde entre os
integrantes desta união poliafetiva a lealdade e boa fé.
Ademais,
não se pode olvidar que atualmente o fundamento essencial à família é o AFETO,
assim, independente de qual arranjo familiar se esteja inserido, deverá
prevalecer a máxima de que “toda forma de amor vale à pena”, já que como
arrematam os poetas da bossa nova, "Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho".
NOTAS:
¹
Há muito se debatia na doutrina a necessidade de se reconhecer as uniões
homoafetivas como família. Neste sentido a vozes ativa da Maria Berenice Dias
fomentou o debate jurídico de modo a proliferar na doutrina e na jurisprudência
o entendimento do respeito à diversidade sexual, à igualdade e à dignidade da
pessoa humana, de modo a garantir que o bom senso superasse o preconceito e a
discriminação.
²
Atualmente a doutrina especializada em Direito de Família tem dado bastante
atenção ao tema, tratando como família recomposta, reconstituída, mosaico ou
ensamblada. Neste sentido, vale à pena conferir: LÔBO, Paulo. Direito das Famílias. São Paulo:
Saraiva, 2010. DIAS, Maria Berenice. Direito
das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. FARIAS, Cristiano
Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de
Direito Civil. Famílias. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.
BIBLIOGRAFIA
GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo
Curso de Direito Civil. Direito de Família: As famílias em perspectiva
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
LÔBO,
Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares
Constitucionalizadas: para Além do Numerus
Clausus. In: FARIAS,
Cristiano Chaves de (Coord) Temas Atuais de Direito e Processo de Família. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.
DIVULGAÇÃO
DA NOTÍCIA:
O AUTOR
Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano, Pós Graduado em Direito do Estado, bem como em Direito Civil e do Consumidor pelo JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito, além de aluno do Doutorado em Direito Civil na Universidad de Buenos Aires (UBA). Professor de Direito Civil, Criança e Adolescente e Consumidor, lecionando atualmente na FAMEC (Camaçari-Ba) e na Faculdade APOIO / UNIFASS (Lauro de Freitas-Ba), onde também é Coordenador do Curso de Direito.
www.cleverjatoba.adv.br
cleverjatoba@yahoo.com.br