terça-feira, 18 de julho de 2017

A GRAVATA E O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA

Do tênue limite entre o costume 
e o abuso

Por: Clever Jatobá[1]


No início da minha jornada na Advocacia, em uma das minhas primeiras assentadas, ao entrar na sala de audiência, alguns instantes após acomodar-me com o cliente, ouvi o Juiz dizer: "Quando os nobres causídicos estiverem preparados, avisem para darmos início à audiência".

Ainda um pouco inseguro, por estar iniciando na advocacia, sem entender o que era "estar preparado para audiência", abri a pasta, peguei a cópia dos autos que trazia comigo, abri na inicial e manifestei-me: "Excelência, estamos prontos. Pode começar".

O juiz, então respondeu: "Quando os nobres advogados estiverem preparados, avisem para darmos início à audiência".

Após alguns minutos, o Advogado da parte contrária então, indagou: "Excelência, estamos prontos. O que falta para iniciarmos a audiência?"


O outro advogado indagou: "Como assim, se componham?"

O magistrado então respondeu: "O senhor acha que está num clube, ou numa reunião social? Faça a gentileza de colocar a sua gravata e vestir-se de acordo com as exigências das profissões jurídicas".

Diante do mal estar, o Advogado da parte contrária abriu o paletó e retirou do bolso uma gravata para vesti-la, quando o Juiz mais uma vez o interpelou: "Pelo menos tenha a decência de retirar-se da mesa para que de costas o senhor possa se arrumar". E enquanto o colega se virava para vestir-se, ainda resmungou: "Tenha paciência"...

Sem alimentar o debate, o Advogado se desculpou e vestiu a gravata, para que, assim, pudéssemos realizar a audiência.

No dia fiquei estarrecido com a situação e, ao mesmo tempo, assustado, pois apesar de achar que a gravata compõe a elegância do Advogado, não tinha a noção de que haveria obrigatoriedade em estar paramentado, utilizando o terno e a gravata para a composição do visual do Advogado.

Recentemente, passado tantos anos deste episódio, li na internet que o episódio se repetia com certa frequência em vários cantos do país. Inclusive, tive a oportunidade de assistir a um vídeo que terminou viralizando pelo WhatsApp, e cheguei a me pronunciar pelo Instagram, comentando a postagem na rede social do Civilizando, da minha querida amiga, a Advogada, Dra. Lize Borges.

Apesar de ter lido vários comentários de censura à conduta do Juiz, o presente escrito não tem o escopo de crucificar o magistrado, nem tão pouco manter a linha de execração pública do mesmo, mas, sim, para fazer uma singela reflexão sobre o lamentável episódio.

Digo ser lamentável, não apenas pelo lado do magistrado, mas, sim, por todos os lados. Senão, vejamos:

A lei não estabelece expressamente a obrigatoriedade do uso da gravata para composição do vestuário jurídico. A legislação prevê que a regulamentação da utilização de traje adequado ao decoro da profissão compete ao Conselho Seccional da OAB, conforme Art. 58, XI da Lei n.º 8.906/ 94 (BRASIL, 1994).

Não obstante a isso, é de censo comum que o traje tradicional da Advocacia e demais carreiras jurídicas é o paletó e a gravata.

Antigamente a expressão "traje completo" fazia referência ao uso de terno e gravata. Vale salientar que a expressão "terno" implica no uso das três peças, ou seja, inclui o uso do colete e não apenas do paletó e da calça. Ocorre que, com o passar do tempo, pelo fato de vivermos num país de clima tropical, o colete foi perdendo seu espaço no uso cotidiano.

Em nosso país, prevalece uma regra prescrita no inciso II do Art. 5º do texto constitucional que determina que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei" (BRASIL, 1988). Assim, surge a indagação: não havendo previsão legal para a utilização da gravata, os Advogados e membros das demais carreiras jurídicas estariam obrigados a utilizá-la?

Em uma leitura simplista e perfunctória acerca do tema, seria fácil dizer que o uso da gravata seria facultativo, assim como do próprio terno. Ocorre, porém, que o Direito não é uma ciência exata e, portanto, exige uma interpretação mais acurada, que leve em conta eventuais variáveis do ordenamento jurídico.

Como dito anteriormente, não existe lei que obrigue a utilização da gravata. Diante da lacuna da lei, a LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - disciplina em seu artigo 4.º que, "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito" (BRASIL, 1942).

Assim, imperioso admitir que "os costumes" são reconhecidos pelo ordenamento jurídico pátrio como fonte do Direito, sendo tratado pela LINDB como forma de integração de lacuna da lei, ou seja, na omissão da lei, o costume deve ser utilizado para preencher a lacuna legislativa.

Quando se fala em "fonte do direito", quer se dizer de onde surge, ou nasce o direito que, como tal, tem sua cogência como atributo essencial, ou seja, deve ser cumprido.


Segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 242),


[...] o costume, como fonte das normas consuetudinárias, possui em sua estrutura, um elemento substancial - o uso reiterado no tempo - e um elemento relacional - o processo de institucionalização que explica a formação da convicção da obrigatoriedade e que se explicita em procedimento, rituais ou silêncios presumidamente aprovadores.


Neste esteio, ao reconhecer o costume como fonte do direito, que supre a lacuna deixada pela ausência de uma lei que regule dado fato social, imperioso admitir que tanto os Advogados, Juízes, Defensores, Procuradores e Promotores de Justiça estão submetidos ao uso do paletó e da gravata em respeito à tradição reiterada pela prática das atividades jurídicas às quais estão vinculadas.


Assim, seria natural o nobre Magistrado questionar o causídico acerca da sua vestimenta e até repreendê-lo pela informalidade das suas vestes, porém, suspender a audiência pela falta da ausência desrespeita o jurisdicionado que nada tem a ver com a vestimenta do seu patrono, nem tampouco com a falta de razoabilidade do julgador.

Neste contexto, uma coisa é certa, independente de haver ou não prescrição legal impositiva, sempre que vou praticar um ato próprio da profissão de Advogado, vou vestido a caráter (fantasiado de Advogado, ou seja, de paletó e gravata), não pela imposição legal, pois, como disse, inexiste tal norma regra, mas, sim, pelo costume e pelo respeito que tenho à profissão que me orgulho em exercer: a ADVOCACIA.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2017.
______. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial [da] União, Rio de Janeiro, 9 set. 1942. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2017.

______. Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 7 jul. 1994. Disponível em: . Acesso em 28 jul. 2017.


FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 242


[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico baiano. Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL, Aluno do Doutorado em Direito pela UBA - Universidad de Buenos Aires, na Argentina. Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Apoio Unifass (Lauro de Freitas) e professor da Faculdade Ruy Barbosa (Salvador-Ba).

3 comentários:

  1. Como sempre, irretocável. Você é maravilhoso meu caro amigo.

    Lize Borges

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  2. Muito bom, professor Jatobá. Abraço!!!!

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  3. Ótimo texto. Me permite contrapor? (aos fatos, não ao Dr.)

    "...sempre que vou praticar um ato próprio da profissão de Advogado, vou vestido a caráter (fantasiado de Advogado...pelo costume e pelo respeito que tenho à profissão que me orgulho em exercer: a ADVOCACIA."

    Não utilizar a fantasia, não implica em menor respeito à profissão. Entretanto, obrigar, sem previsão legal, alguém a fazer algo, me parece sim uma afronta à pessoa e ao Direito.

    Tenho a percepção que, ao tolerarmos esse tipo de arbitrariedade, além de isso sim, ser um desrespeito à profissão e à pessoa, reforça o atraso do país e, principalmente, do judiciário. Enquanto até a igreja flexibilizou a vestimenta e aboliu o latim, segue o direito amarrado a um passado ignorante, sem sentido e autoritário. Isso fica mais evidente hoje, quando o advogado pode peticionar de casa, com a roupa que bem entende. Duvido queo advogado vista o terno ao peticionar on line. Mas ao pisar no "solo sagrado do judiciário", precisa seguir todo um ritual. Os costumes precisam mudar. Se não fosse assim, ainda teríamos escravos sendo chicoteados pau de arara. O judiciário inova em muitas coisas, mas segue arcaico no assunto "vaidade" e, principalmente, "meus benefícios". A "divindade" não pode ser enfraquecida.

    Um caso curioso foi quando, ao conversar com uma colega de profissão que me tratava por Dr, solicitei que me tratasse por você, o qual não fui atendido. Vejo isso como o mesmo caso. São costumes que se sobrepõe inclusive à vontade da pessoa. Não me sinto bem sendo chamado de Dr.

    O judiciário não está aqui para ter seu ego massageado. Está aqui para servir da melhor forma possível. Ao fazer isso será, de fato, respeitados por todos. Como pode exigir respeito quando não respeita? É isso que acontece quando o judiciário profere uma sentença inócua pelo prazo ou não pune porque ocorreu a prescrição.

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