e a legítima defesa:
O dever de indenizar a família dos assaltantes mortos -
o caso do comerciante
de Caldas Novas
Clever Jatobá[1]
A imprensa noticiou no dia 21 de agosto de 2017 que um comerciante do sul de Goiás, mais precisamente na cidade de Caldas Novas, reagindo a um assalto em seu estabelecimento comercial, terminou matando os dois assaltantes, protagonizando um episódio clássico de legítima defesa, qual, a propósito foi detalhadamente flagrado pelas câmeras do estabelecimento comercial.
Ocorre, porém, que alguns dias depois passou a circular nas redes sociais, bem como na internet, matérias sustentando que o comerciante teria que indenizar a família das vítimas (SIC), pois, "mesmo agindo em legítima defesa, o comerciante tirou a vida de dois jovens que davam sustento à suas famílias".
As matérias sinalizam que a afirmação seria da Diretora da Secretaria de Direitos Humanos de Goiás, Carmén Santucci. De acordo com a matéria, a Secretária de DH havia dito que:
"As famílias desses rapazes não têm condições financeiras, e dependiam deles para se manterem. Ao tirar a vida dos dois, o comerciante também tirou a renda da família, que agora não tem como sobreviver."
Não foi possível confirmar a veracidade do depoimento supra transcrito, pois há na internet matérias que declaram ser boato, outras que tratam como fática.
Independente da confirmação da veracidade da declaração, diante dos fatos surge a seguinte indagação: O comerciante teria o dever de indenizar as famílias dos assaltantes mortos?
Esta é a nossa reflexão...
Ao tempo em que no âmbito Penal os crimes, dependendo da prescrição legal correspondente, são sancionados com pena de reclusão, detenção ou até multa, no âmbito Cível, as ilicitudes que geram dano têm como consequência lógica o dever de reparação, qual é materializado diante da indenização, como decorrência da "Responsabilidade civil".
A Responsabilidade Civil é edificada sobre o alicerce do princípio do neminem laedere, qual determina que a ninguém é dado o direito de causar dano a outro, assim, aquele que causar dano a outrem terá o dever de repará-lo. Este dever genérico de reparação será materializado por meio da indenização.
Ocorre, porém, que a legislação brasileira estabeleceu o ato ilícito como pressuposto necessário à responsabilização civil. Assim, o dano a ser reparado deve decorrer da prática de um "ato ilícito".
Neste sentido, disciplina o artigo 927 do Código Civil que "aquele que por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo" (BRASIL, 2002).
Vale salientar que, na "responsabilidade aquiliana" (extracontratual), ato ilícito é gênero que comporta duas espécies, quais sejam : a) o ato ilícito por violação de direito (Art. 186 do CCB-02) e b) o ato ilícito por abuso de direito (Art. 187 do CCB-02).
Ocorre, porém, que o Direito estabelece situações excepcionais que retiram a ilicitude de determinadas condutas humanas que, em regra, por serem excludentes de ilicitude, excluiriam a responsabilização do agente.
As excludentes de ilicitude foram delineadas no bojo do artigo 188 do Código Civil Brasileiro. São elas: a) a legítima defesa, b) o exercício regular de direito, e c) o estado de necessidade. Apesar da imperícia do legislador, reconhece-se também como excludente de ilicitude o estrito cumprimento de um dever legal.
No Direito Penal, as excludentes de ilicitude têm natureza absoluta, pois a antijuridicidade da conduta integra o próprio conceito de crime ou contravenção penal. Assim, uma conduta que não seja dotada de antijuridicidade (ilicitude penal) não é crime.
Por sua vez, no âmbito do Direito Civil, a regra de que excluindo-se a ilicitude da conduta não haverá responsabilização também se aplica, entretanto, o legislador cível não seguiu a coerência do legislador criminal e estabeleceu uma exceção à exclusão da responsabilidade, qual seja, nos casos de "estado de necessidade".
Assim, aquele que, para se salvar de uma situação de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, cujo sacrifício próprio das circunstâncias não lhe seja razoável exigir, venha causar dano a outrem ao repelir esta situação de perigo, poderá ser obrigado a indenizar aquele que suportar o dano, se este (a vítima do dano) não for o culpado pela situação de perigo a qual foi repelida (art. 929 do CCB-02 - BRASIL, 2002).
Pois bem, levando-se em conta o fato de que o comerciante agiu em legítima defesa, tem-se por excluído a ilicitude da sua conduta, de modo que a este não há qualquer dever de indenizar.
O fato dos jovens que foram mortos serem responsáveis pelo sustento da sua família não interfere no fato de não haver ato ilícito do comerciante que seja capaz de imputar-lhe um dever de reparar a perda suportada pela família.
Na verdade, quem comete um assalto parte para o "tudo ou nada", portanto, assume os riscos da sua conduta ilícita.
Destarte, no caso em apreço, por ter o comerciante agido em legítima defesa, estará isento de qualquer responsabilidade civil ou criminal.
Tem-se por imperioso admitir que sendo boato, ou verdade o comentário acerca da possibilidade de indenização às famílias dos assaltantes mortos, tal tese não tem agasalho legal em nosso ordenamento jurídico, de modo que não há que prosperar, pois o comerciante agiu nos limites da lei.
Neste sentido, disciplina o artigo 927 do Código Civil que "aquele que por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo" (BRASIL, 2002).
Vale salientar que, na "responsabilidade aquiliana" (extracontratual), ato ilícito é gênero que comporta duas espécies, quais sejam : a) o ato ilícito por violação de direito (Art. 186 do CCB-02) e b) o ato ilícito por abuso de direito (Art. 187 do CCB-02).
Ocorre, porém, que o Direito estabelece situações excepcionais que retiram a ilicitude de determinadas condutas humanas que, em regra, por serem excludentes de ilicitude, excluiriam a responsabilização do agente.
As excludentes de ilicitude foram delineadas no bojo do artigo 188 do Código Civil Brasileiro. São elas: a) a legítima defesa, b) o exercício regular de direito, e c) o estado de necessidade. Apesar da imperícia do legislador, reconhece-se também como excludente de ilicitude o estrito cumprimento de um dever legal.
No Direito Penal, as excludentes de ilicitude têm natureza absoluta, pois a antijuridicidade da conduta integra o próprio conceito de crime ou contravenção penal. Assim, uma conduta que não seja dotada de antijuridicidade (ilicitude penal) não é crime.
Por sua vez, no âmbito do Direito Civil, a regra de que excluindo-se a ilicitude da conduta não haverá responsabilização também se aplica, entretanto, o legislador cível não seguiu a coerência do legislador criminal e estabeleceu uma exceção à exclusão da responsabilidade, qual seja, nos casos de "estado de necessidade".
Assim, aquele que, para se salvar de uma situação de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, cujo sacrifício próprio das circunstâncias não lhe seja razoável exigir, venha causar dano a outrem ao repelir esta situação de perigo, poderá ser obrigado a indenizar aquele que suportar o dano, se este (a vítima do dano) não for o culpado pela situação de perigo a qual foi repelida (art. 929 do CCB-02 - BRASIL, 2002).
Pois bem, levando-se em conta o fato de que o comerciante agiu em legítima defesa, tem-se por excluído a ilicitude da sua conduta, de modo que a este não há qualquer dever de indenizar.
O fato dos jovens que foram mortos serem responsáveis pelo sustento da sua família não interfere no fato de não haver ato ilícito do comerciante que seja capaz de imputar-lhe um dever de reparar a perda suportada pela família.
Na verdade, quem comete um assalto parte para o "tudo ou nada", portanto, assume os riscos da sua conduta ilícita.
Destarte, no caso em apreço, por ter o comerciante agido em legítima defesa, estará isento de qualquer responsabilidade civil ou criminal.
Tem-se por imperioso admitir que sendo boato, ou verdade o comentário acerca da possibilidade de indenização às famílias dos assaltantes mortos, tal tese não tem agasalho legal em nosso ordenamento jurídico, de modo que não há que prosperar, pois o comerciante agiu nos limites da lei.
[1] Clever Jatobá é Advogado e
Consultor Jurídico baiano, Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela
UCSAL, aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Professor da Faculdade Ruy
Barbosa (DeVry) em Salvador-Ba e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade
Social Sulamericana (FASS - UNIFASS), em Lauro de Freitas-Ba.