Bisbilhotar os SMS, E-mail e Carteira é
violação da Intimidade?
Por: Clever Jatobá[1]
O
ciúme é por muitos concebido como uma das expressões do amor (sic), pois só
sente ciúme aquele que gosta. Diz o provérbio popular que “o ciúme apimenta o
relacionamento”. Ocorre, porém, vale alertar que pimenta demais faz mal à saúde
do relacionamento.
Bem,
tratando-se de um sentimento humano, o ciúme é algo natural, pois toda e
qualquer pessoa pode senti-lo. Ocorre, porém, que quando o mesmo rouba a cena e
transcende ao tênue limite do razoável, pode implicar em graves violações aos
direitos e até causar danos irreversíveis às pessoas que integram o
relacionamento, ou até desaguar em lamentáveis episódios criminais. Isso mesmo,
só para que se tenha ideia, crimes passionais normalmente são fomentados pelo
ciúme doentio.
Mas,
como identificar se o ciúme é ou não doentio? Não se tem um limite pré-determinado.
Os limites são tênues... assim, o autocontrole é indispensável para não deixar
este mal transcender à razoabilidade, cegar pela irracionalidade aquele que o
sente de modo a atingir e vitimar as pessoas de quem se quer bem.
Sempre
enxerguei o “ciúme” como uma prova de insegurança que demonstra a fragilidade
do relacionamento e que ocasiona situações constrangedoras, que sob uma
observação racional, alguns acontecimentos chegam a ser patéticos e até hilários,
quando não trágicos. Os episódios de ciúme integram a “comédia da
vida privada”. Senão, vejamos:
Sabe
aquele casal que briga ao assistir Tv ou filme de cinema com ciúmes dos
artistas? Pois é...
Conheço
um caso em que a garota tinha ciúmes dos outdoors de cerveja, pois sempre
tinham mulheres bonitas. Ou do rapaz que por ciúmes do Tom Cruise não deixou a
namorada assistir ao filme “Missão Impossível”.
Pior
era o caso da namorada que ligava para o namorado e, em vez do tradicional “alô”,
já começava o diálogo com o “Tá aonde?” daí o namorado dizia “Estou no carro,
querida”. Então a namorada disparava: “buzine aí!!!”. É amigos, pior do que a neurose
da namorada, é fato de que o rapaz buzinava... Imagine que deste jeito, quando
ele estiver ao banheiro, vai precisar dar descarga para comprovar sua
localização.
Só
que tem pessoas que não gostam de demonstrar a neurose do relacionamento, mas,
motivadas pelo ciúme, decidem fiscalizar de perto o seu parceiro. Daí, decidem
fuçar a carteira ou bolsa do outro, xeretar as mensagens e agenda do celular,
ou bisbilhotar os bolsos das roupas, cheirar as peças íntimas do outro. Pior
que isso são aqueles que querem invadir (ou compartilhar) a conta de e-mail, ou
a rede social do seu parceiro.
Pois
é, tal situação é muito comum, mais do que se imagina. Conforme noticiou o
YAHOO por meio da matéria da Carol Patrocínio[2],
"Uma pesquisa feita pela AVG Technologies, aquela empresa de segurança de
computadores, mostra que 54% das mulheres brasileiras admitem ler SMS e e-mails
dos maridos ou namorados sem sua autorização prévia". Ao bem da
verdade, este não é um hábito exclusivo das mulheres, mas a
pesquisa realizada foi focada nos hábitos femininos.
Bem,
mais o que será que tal situação pode ser abordada pelo aspecto jurídico? Pois
é... pode sim...
Na
verdade, tais episódios violam a intimidade do parceiro, que integra a noção de
“vida privada”, qual está protegida pelo inciso X do Art. 5º da Constituição
Federal Brasileira, e regulada pelo artigo 21 do Código Civil Brasileiro[3],
que o concebe como um direito inviolável.
O
direito à vida privada garante proteção à individualidade, de modo a preservar
a pessoa em seu espaço pessoal, sem permitir a intromissão de terceiros, ou a
exposição pública de informações, fatos e acontecimentos pessoais que apenas
lhe diga respeito.
Na
doutrina[4],
sustenta-se que o direito à vida privada é gênero que agrega duas espécies,
quais sejam, o direito à intimidade e o direito ao segredo.
Normalmente
se confunde intimidade com privacidade. Mas, há que se distinguir uma da outra.
Ao tempo em que privacidade é
familiar, conjugal, de casal, ou seja, engloba mais de uma pessoa, a intimidade é algo unipessoal, ou seja,
diz respeito apenas ao seu titular, de modo a preservá-lo de todos, inclusive
de seus familiares ou aqueles com quem conviva.
Em
outras palavras por ser a intimidade um direito personalíssimo, de foro íntimo,
é algo tão pessoal, que garante sua preservação até do seu parceiro, familiares
ou qualquer um que integre sua privacidade (familiar). Trata-se daquele direito
à reserva pessoal, aos valores, fatos, sentimentos, opiniões, comportamentos
que são tão íntimos que só diz respeito à própria pessoa.
Assim,
quando alguém que não tenha permissão, autorização ou anuência expressa do
titular decide invadir tal esfera íntima da pessoa, independentemente do seu
vínculo pessoal, de parentesco, amizade ou afetivo, estará violando seu direito
da personalidade, desrespeitando sua intimidade e ofendendo a própria dignidade
humana da vítima.
Conforme lição de Maria
Helena Diniz[5],
A
intimidade é a zona espiritual íntima e reservada de uma pessoa, constituindo
um direito da personalidade, logo o autor da intrusão arbitrária à intimidade
alheia deverá pagar uma indenização pecuniária, fixada pelo órgão judicante de
acordo com as circunstâncias, para reparar o dano moral ou patrimonial que
causou.
Assim, é possível se opor à
namorada(o), à esposa (marido), companheira(o), “ficante” ou “peguete” que, motivada(o)
pelo ciúme e numa postura de controle e fiscalização da vida alheia abusa dos
limites do seu direito ao convívio privado e, de forma arbitrária e não
autorizada, invade a esfera íntima do seu parceiro, desrespeitando-o e
vitimando sua própria dignidade.
Sob outro prisma, xeretar as coisas dos outros pode ser algo ruim para ambas as partes e pode ocasionar danos à relação maiores do que possam ser cogitados na esfera jurídica. Assim, conforme orienta, com grande
lucidez, a Carol Patrocínio[6]:
Certas
frases e conversas só fazem sentido em determinados contextos. Se você não sabe
qual é esse contexto e está procurando pelo em ovo, pode ter certeza que vai
achar significados que não existem, vai arrumar briga por motivos
desnecessários ou sofrer em silêncio enquanto poderia estar fazendo algo
realmente útil para você. Importe-se com seus passos e não com os passos do
outro. Não é uma tarefa fácil, mas deixa sua vida muito mais feliz.
Bem, diante deste panorama,
cabe-nos dar dois conselhos, um a cada lado da situação: Para quem gosta de
xeretar as coisas do outro: cuidado, pois uma eventual exposição decorrente do impulso momentâneo pode acarretar
a imposição de indenização pelos danos suportados, ademais, vale atentar ao provérbio
popular que prenuncia que “quem procura, acha”.
Para aqueles que numa invasão
desta natureza seja pego em uma situação que lhe deixe de “saia justa”, pode se
defender sob o argumento de que, diante da ilicitude da violação ao seu direito
personalíssimo, “prova obtida por meio ilícito” é algo inadmissível e não pode
ser usado contra si (Rsrsrs).
[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor
Jurídico. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade APOIO
UNIFASS. Traz no seu currículo Pós Graduação lato sensu em Direito do Estado e em
Direito Civil e do Consumidor. Atualmente é Mestrando em Família na Sociedade
Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), além de ser
Aluno do Doutorado em Direito Civil na Universidad de Buenos Aires (UBA) na Argentina.
É membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.
[2] http://br.mulher.yahoo.com/blogs/preliminares/controladoras-54-das-brasileiras-l%C3%AA-sms-no-celular-101046167.html
[3] Art. 21 do Código
Civil Brasileiro: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir
ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
[4] FARIAS, Cristiano Chaves de;
ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte Geral e LINDB. Vol. 1.
Salvador: Juspodivm, 2012. p.249.
[5] DINIZ, Maria Helena Curso de Direito
Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. V.1. 25ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, 135.
[6] Matéria do Yahoo a qual fizemos referência anteriormente.
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